ESPAÇO ABERTO: Sociedade plástico bolha
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 30 de janeiro de 2024
Luís Miguel Luzio dos Santos
Vivemos numa sociedade de plástico, de plástico porque é sintética, artificial, em que se priorizam as aparências à essência. Vive-se na superfície, no raso, sem coragem para mergulhar fundo e desvendar a realidade como verdadeiramente é.
Corremos como se estivéssemos numa superfície fina de gelo que só não se esgarça pela velocidade imprimida à jornada. Dispararmos como loucos para não termos que refletir sobre o que realmente importa: quem somos e qual é a nossa missão. Entregamo-nos às sombras da caverna platônica, à banalidade do dia a dia que nos faz apenas existir sem nunca viver de fato.
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No confronto entre a pílula da verdade e a da ilusão, prefere-se o delírio da ilusão. Domina um hedonismo barato, uma “felicidade” alienada que só sobrevive inebriada pelo fugaz, pelo descartável, pelo passageiro, que quando é alcançado projeta um novo objeto de desejo, num jogo interminável de insatisfação.
Privilegia-se a imagem ao conteúdo, prevalece a instrumentalidade, o auto interesse e as aparências. As amizades são reduzidas a network, porque tudo é business. Tempo é dinheiro. Não há mais espaço para gratuidade, para o cuidado e o afeto desinteressado. Na sociedade de plástico, produtos e pessoas carregam etiquetas e valem pelas logomarcas que ostentam, num estado de permanente carência e fuga da realidade.
Mas a sociedade atual não é só de plástico, é plástico bolha, bolha porque divide e segmenta de acordo com categorias excludentes. Assiste-se a um novo tipo de apartheid social, onde ilhas de apartação são criadas para acomodar elites em reinos artificiais. Ali reforçam-se preconceitos, hierarquias e inflam-se os egos. Tudo é exclusivo, o shopping, o clube, a escola, o hospital e até o cemitério. Vive-se a síndrome do povo eleito, indiferente ao mundo externo, às injustiças, às carências e ao sofrimento alheio.
A sobrevivência e a evolução da espécie humana sempre estiveram condicionadas à capacidade de estabelecer relações. Desde os primórdios da vida humana na Terra, há cerca de duzentos mil anos, o desenvolvimento se deu por meio da união de esforços, pela capacidade de cooperação e principalmente pela solidariedade entre fortes e fracos.
Os primeiros hominídeos caçavam em grupo e repartiam o resultado da caça entre todos os membros do clã conforme as necessidades de cada um. Essa forma de convivência permitiu que mesmo diante de adversidades extremas e de predadores muito mais fortes, conseguíssemos nos consolidar como espécie.
É tempo de recuperar a organicidade da vida, abandonar a artificialidade do plástico bolha e recuperar os laços que nos fazem corresponsáveis uns para com os outros. Precisamos romper as bolhas que nos separam e saber conviver na casa comum.
A mudança não é fácil, é necessário ultrapassar o “eu” e avançar para o “nós”, do egoísmo patológico para a alteridade, da competição excludente para o bem comum. Como afirmava Aristóteles, “o ser humano é um ser social”, pois só se afirma na interação e interdependência com o outro que o complementa.
A sociedade é por natureza rica em complexidade, vida que pulsa e se complementa na sua heterogeneidade, pois é exatamente na pluralidade de expressões que repousa o seu valor único. Não fomos criados para sermos plástico bolha, mas organismos vivos, pulsantes, criativos e principalmente com a capacidade de saber cuidar uns dos outros.
Mas, todo o cuidado exige disposição para fazer renúncias em prol do coletivo, seja o bairro, a cidade, o país ou o mundo. Precisamos recuperar os espaços públicos para que possamos conviver como iguais, acolher sem homogeneizar, cuidar sem dominar, numa confraternização de afetos sem que ninguém fique de fora.
Luís Miguel Luzio dos Santos, professor de Socioeconomia na UEL (Universidade Estadual de Londrina)
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