Acompanhei a votação tirada no Congresso Nacional de 10/04 acerca da posição dos parlamentares sobre a ordenação da prisão em flagrante delito do deputado federal Chiquinho Brazão, apontado em inquérito policial conduzido pela Polícia Federal enquanto um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e de seu motorista Anderson.

Venho sendo um crítico ferrenho do uso desmedido da ferramenta prisional a todo instante, desenhando uma colmeia de conflitos e propiciando condições de desvalor à própria persecução penal, na totalização do espectro democrático do estado de direito.

A formação da culpa deve ser uma garantia do acusado e não seu cadafalso – daí a observação rigorosa do devido processo em tempo de evitar juízos açodados e expiações de aluguel que, via de regra, oprimam as minorias e protejam os poderosos e seus apaniguados.

Observar o texto legal em suas filigranas, deixando de lado discursos punitivistas, sempre será o melhor caminho, naquilo que o maniqueísmo de uma sociedade forjada na normalização escravocrata não ajudaria no desenho progressista que buscamos e, por isso mesmo, refletiria tão somente a carga de preconceito que a pouca luz e o nenhum conhecimento histórico colam em nosso modelo civilizatório.

Desde sempre empunhei a esgrima da imperiosa necessidade de calar a extrema direita por seu abandono civilizatório em face da opção pela exploração desenfreada do outro, a partir de sua desconstrução civilizatória.

Daí minha compreensão de que o Congresso espelha e retrata a sociedade que o formou através do exercício democrático da representatividade – nossa escolha na trilha da organização do estado.

Assim é que me passou muito mal ouvir de vários parlamentares que a prisão em flagrante deveria ser recusada pelos mais diversos motivos retóricos – alguns tão aviltantes que não ouso repeti-los em respeito à ideia primeva que pariu nosso sistema representativo, naquilo que me parece impossível a uma sociedade qualquer (não necessariamente a nossa) sobrepor uma qualquer disputa política à salvaguarda de seu sistema legal.

Vamos ao ponto: a prisão em flagrante do parlamentar está ordenada, à unanimidade da Primeira Turma do Supremo, por conta da presença de indícios severos da prática de crime permanente imputado ao deputado Chiquinho Brazão (obstrução a justiça) e a seus parceiros, nos contornos da constituição de uma organização criminosa em sociedade ilícita com seu irmão conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e do delegado chefe de polícia civil do Rio de Janeiro, então encarregado de apurar o duplo homicídio.

A polícia federal apresentou evidências suficientes à juízo da Primeira Turma do Supremo, de que o consórcio criminoso dos irmãos Brazão com o delegado impedia o desenvolvimento regular da investigação – daí o tempo exacerbado que se levou para responder quem mandou matar Marielle e Anderson.

Nesse caso, segundo o texto legal, a prisão em flagrante de parlamentar está autorizada, não havendo espaço retórico para se questionar a legalidade da medida, justamente porque a custódia cautelar está fincada na burla investigativa sufragada na obstrução da justiça – tipo julgal caracterizado pela permanência da ilicitude.

Como não há nada tão ruim que não possa ser piorado, ouvir os mais diversos malabarismos retóricos de parlamentares contrários ao campo progressista (responsável direto, no Congresso e na sociedade, por não deixar o assassinato de Marielle e Anderson cair no esquecimento), que votaram contra a mantença do flagrante do colega de parlamento, dão a medida do desapego e do desprezo com que a extrema direita trata o seu eleitor – e, via de regra, a própria sociedade.

Ouvir estrelas, desde sempre, me aprumou na teima de questionar e, auscultando os desencontros que a vida desenha, fico a pensar quem escreverá a história de nossas incertezas...

Noves fora as vicissitudes do viver e para além do que contam os processos, o Congresso Nacional na tarde de 10/04/ por 129 de seus pares, disse não a mantença de uma prisão em flagrante ditada no Supremo, com ênfase na disputa política cara à extrema direita, usando a desculpa falsa de que defendiam uma qualquer liberdade – ora de expressão, ora de fantasias legalistas que o escopo da decisão que esgrimiam jamais revelou.

Se isso não dá a medida da urgência do enfrentamento que a salvaguarda de nossa democracia demanda, já não sei o que fará despertar o gado contemporâneo (cria de fake news e do preconceito), desligado de qualquer apego democrático enraizado no bem-estar social e teimando a trilha do rebanho, mugindo sempre que o interesse de seus mitos disparar o berrante.

Em que pese grandiosa maioria ter assentido a regularidade e acerto da decisão do Supremo, o reflexo da sessão é triste e sombrio, naquilo que as circunstâncias da disputa política, para 129 parlamentares, se sobrepõem aos interesses e conteúdo do país.

Tristes trópicos, naquilo que nossa representatividade política se aperfeiçoa na demonstração ignóbil das próprias limitações, apostando no ódio para aprisionar o espaço democrático.

Saudade Pai, você ensinou amar!

João dos Santos Gomes Filho, advogado