ESPAÇO ABERTO: Sobre a saidinha de presos
PUBLICAÇÃO
sábado, 20 de julho de 2024
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos
Há muito que venho percebendo um ódio visceral contra os cidadãos que praticam qualquer crime, seja ele considerado menor ou maior. Do “bandido bom é bandido morto”, ao desinteresse total pelas condições desumanas das prisões, ao projeto de lei que visa acabar com a tradicional “saidinha”. Os bons governadores são os que apresentam números de letalidade policial maior, de preferência sem câmeras, sendo fato que elas ajudam exatamente os bons profissionais de segurança (com câmeras corporais, as acusações contra policiais caíram 80% em presídios do CE).
A sociedade brasileira tende a se pautar pela hipocrisia cínica de ignorar estatísticas, em que os detentos de pequenos crimes são acoplados na prisão pelo crime organizado e de que há no Brasil uma seletividade perversa e racista das detenções e condenações, fazendo com que a maioria seja de negros e pobres! Essa omissão na análise, somada à discriminação fatual e ao desejo manifesto de certa limpeza “étnica” das nossas ruas, nos remete aos porões fétidos da civilização.
O nosso Congresso atual padece de visão global sábia e humana. Os seus interesses parecem funcionar sob uma disfunção cognitiva assustadora! Na semana passada, a cúpula da Bancada Negra votou a favor de emenda que reduz cotas e alegou acordo para 'salvar' verba; tramita outra PEC, anistiando os partidos políticos infratores; tornou-se trivial, encontrar a Bancada da Bíblia votar favorável à facilitação de armas à população! Tem algo muito errado no Parlamento! Os deputados não representam a população e sim os seus interesses imediatos. No geral, esse é o tom de uma melodia mórbida que se instalou pelas capitais mundo afora! A mediocridade político-partidária tornou-se a causa primeira do enfraquecimento da democracia, que vem asfaltando o caminho à ascensão da extrema direta!
Contudo, o nosso vem se superando! Os congressistas desejam acabar com a tradicional saída temporária de alguns presos que, segundo critérios rigorosos, se ausentavam em datas comemorativas e feriados, com o direito de cinco saídas de sete dias no ano, além de permitir a saída em caso de ressocialização ou para estudar. Para especialistas, acabar com a saidinha de presos atrapalha essa ressocialização. Os deputados mentem, pois o número de presos que praticam crimes nesses períodos ou não retornam é ínfimo e ridículo, comparado com as vantagens! Nisso, os senhores das leis, visam agradar a uma parcela vingativa da sociedade brasileira!
Tenho sérias dúvidas se esses ilustres cidadãos não estarão gorjeando aos que desejam a pena de morte ou a redução da maioridade penal! Ora, o fim deste benefício é um retrocesso civilizatório e ético, porquanto compete à sociedade resgatar e ressocializar o preso e não o abandonar à própria sorte! Ter um sistema penitenciário saturado, podre, e em não poucos casos, “escola do crime”, não é ponto de honra para ninguém! Excepcionalmente perverso, para um país que se diz cristão! A dureza institucionalizada pelo arcabouço legal, aproxima-nos do Equador e não dos países nórdicos! Parece-me razoável que entre aquele e estes, a preferência geral seja indiscutível!
Os parlamentares que passam mais tempo nas bases do que em Brasília e que têm condições de conhecer as várias experiências fora do Brasil não poderiam padecer de tamanha cegueira! Criminalidade não se combate apenas com leis duras, “encarcerando” pequenos consumidores de maconha, enquanto traficantes perigosos ficam em liberdade! O respeito indelével pela dignidade do ser humano, em todas as circunstâncias, é fator decisivo para salvá-lo das garras da maldade e do crime! Uma boa leitura de Dostoiévski ajudaria muito. Quando deixarmos de acreditar na capacidade do homem se reinventar, deveremos apagar a luz, fechar a porta e rasgar a Bíblia!
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

