Um leitor me questionou, porque eu não escrevo mais sobre religião! Referir-se-ia ele a uma possível hipótese de não ter escrito sobre o assunto, ou de fazê-lo pouco? Seja como for, acredito que a Folha se presta também a este espaço e aprecio aproveitá-lo dentro do meu métier específico.

Religião é um campo minado. Uma boa parte das guerras locais e crimes de intolerância se situam nesse âmbito da vida humana. Pessoas matam e morrem pela religião, pela crença, pela comunidade de fé na qual se inserem. A religião não é culpada, por óbvio! Porém, ao ser colocada acima dos direitos inalienáveis do ser humano, ela justifica todas as atrocidades.

Marcos 3 traz-nos um exemplo clássico do que seria essa terrível inversão: “Jesus disse ao homem da mão atrofiada: levante-se e venha para o meio. Depois perguntou aos presentes: o que é permitido fazer no Sábado? O bem ou o mal, salvar a vida ou matar? Mas eles ficaram em silêncio! Irado, Jesus olhou-os e, profundamente entristecido por causa dos corações endurecidos, disse ao homem: estenda a mão! E ele estendeu-a ficou curado” (Mc 3,1-6)! Jesus não era religioso, no sentido estrito do termo judaico! Era um homem de fé, orava muito, frequentava o templo, mantinha um relacionamento acima da média com o Pai, mas tinha para com a religião vetero-testamentária uma postura de liberdade, pelo amor. “O Sábado foi feito para o homem e não o homem para o Sábado”! (Mc 2,27).

A palavra religião deriva do latim religio, religionis, que significa culto religioso ou práticas que a ele se relacionam. Também pode significar santidade ou lei de Deus. É um conjunto de crenças derivadas de ideias e conceitos que alimentam uma fé e que determinam comportamentos, práticas sociais e a própria visão do mundo. O cristianismo por exemplo, não obstante aceite o Antigo Testamento, funda-se nos Evangelhos, na reflexão teológica das cartas de Paulo e numa sequência de Concílios que elaboraram a religião cristã como a temos hoje.

Contudo, a Reforma de Lutero também gerou um arcabouço conceitual considerável e específico que orienta os chamados protestantes, nestes últimos quinhentos anos. E assim podemos referir os Ortodoxos e as demais denominações cristãs, ou os budistas, hinduístas, xintoístas, taoístas, confucionistas, islâmicos e os adeptos de Bahá’u’lláh, todos possuindo seus códigos próprios, mas sempre conectados entre si pelo essencial: a espiritualidade e a crença em um ser superior! Este ponto nevrálgico, quando reforçado e posto em evidência sobre as diferenças, o chamamos de ecumenismo!

A espiritualidade pode apanhar carona na religião. Mas não necessariamente. Dalai Lama define espiritualidade, como “aquilo que produz no ser humano uma mudança interior. Só praticar a religião ainda não é espiritualidade. Hoje há muita gente religiosa e sem Espiritualidade. A religião nem sempre produz em nós mudança. A Espiritualidade leva ao mergulho no mistério do ser”.

Em termos cristãos, cujos leitores são maioria, a espiritualidade é mais do que a oração. A oração é uma dimensão importante, mas uma dimensão. Há muita gente que faz muita oração e não tem nada de espiritualidade cristã. Só tem oração desencarnada da vida. É um orante mecânico, reza por obrigação. O Papa Francisco diz: “Oxalá consigas identificar a palavra, a mensagem de Jesus que Deus quer dizer ao mundo com a tua vida. Deixa-te transformar, deixa-te renovar pelo Espírito para que isso seja possível, e assim a tua preciosa missão não fracassará”. Espiritualidade é um mergulho no absoluto sem tirarmos os pés deste solo vermelho.

Os “sem religião", grupo que já supera católicos e evangélicos entre a população de 16 a 24 anos no Rio e em São Paulo são uma interpelação! Dá para ser religioso e incoerente sobre valores irrenunciáveis? Os jovens são bem sensíveis a isso! E a política brasileira andou revelando uma mistura que depôs contra a própria religião!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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