Muito se tem falado e escrito sobre o papel da religião neste processo político eleitoral. Porém, é bom que se discuta sem medo, o papel da política atual, no Brasil e no mundo, dentro do espectro religioso. Os debates no primeiro e no segundo turno gravitam em torno da moral e dos costumes e não é nenhum acaso! O povo brasileiro é religioso e mesmo os sem religião, número já considerável, ainda têm gravado no seu inconsciente normas e regras repassadas através da religião familiar.

Os políticos descobriram na dimensão religiosa a mina para as suas investidas e houve um automático empobrecimento do discurso programático para o país. A religião entrou na política pela porta dos fundos e deixou-se usar docilmente numa cumplicidade perversa, cujo preço será impagável durante décadas. Católicos e evangélicos, principalmente, ultrajaram páginas da Bíblia para engolirem ideologias antagónicas e com isso beberem nos cálices do poder. A receita não é inédita. Em séculos passados, reis e rainhas usaram o braço religioso para atingirem inimigos e buscarem apoios da plebe dominada, então, por padres, bispos e pastores.

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A política não ficou mais pobre; ela ficou miserável! Ao se embriagar com o pior que a religião lhe poderia oferecer, despiu-se do seu nobre manto do auge da caridade, já chamada assim por vários papas e ridicularizou-se, mendigando nas esquinas as palavras moralistas e retrógadas de líderes religiosos sem escrúpulos. Políticas públicas, equilíbrio entre poderes, respeito às instituições, sobriedade e lisura com odor de probidade administrativa deram lugar a benesses e a conchavos nas alcovas e antessalas dos ministérios em Brasília. A política, aquela boa e necessária, transmutou-se e apequenou-se de tal jeito, que não fosse o voto obrigatório, veria a sua gente alheia a este medíocre processo.

Mas o mal maior adveio à religião. Caiu por terra a veia profética que se resume na liberdade total de avaliar e denunciar o que é incompatível com a Boa Nova, doa a quem doer, e trouxeram-se à ribalta subserviências e vícios condenados em todo o Antigo Testamento e nas páginas do Evangelho. Religião amarrada ao poder, seja ele qual for, é religião domada. Religião amansada. Religião adulterada. Religião que não passa de sal pisado e luz apagada (Mt 5,13-14). A política entrou no coração da religião e a perverteu! A polarização que assola o nosso país destruindo seu tecido social e alastrando um clima de ódio semelhante a períodos trágicos da história mundial, encontrou na religião o rastilho que precisava. O trem da destruição de reputações e de vidas humanas desliza velozmente sobre conceitos religiosos usurpados e deturpados, fabricados e embalados em poderosos mecanismos de fake news.

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A religião está emprestando suas verdades absolutas para que sejam negociadas na praça a preço de banana e sirvam como combustível da intolerância e do ódio. A religião assim se prostitui como é severamente denunciado em Amós, Oseias, Isaías e outros profetas. É impossível não lembrar do seguinte episódio, já narrado noutra oportunidade: Depois do massacre de 7000 pessoas em Tessalônica (390) pelo imperador Teodósio, às portas da Igreja em Milão aconteceu a seguinte cena: Quando o imperador se aproximou dos portões, ele foi recebido por Ambrósio, o bispo da cidade, que se apoderou de seu manto de púrpura, e disse-lhe, na presença da multidão: ‘Afaste-se! Um homem renegado pelo pecado, e com as mãos encharcadas no sangue injustamente derramado não é digno, sem arrependimento, de entrar neste recinto sagrado, ou participar dos Santos Mistérios! Eram outros tempos convenhamos! Ao longo da história até hoje, a religião tomou outras atitudes.

Depois do processo que estamos vivendo, em que os crentes em geral adotam os seus candidatos como ídolos, entregando-lhes a sua própria vida e com isso avançam ensandecidos sobre adversários transformados em inimigos a abater, é impossível não lembrar de novo do Livro Maior: “uns confiam em carros; outros em cavalos; mas nós confiamos no nome do Senhor, nosso Deus” (salmo 20) ou então nas palavras de Jeremias: “maldito o homem que confia no homem e faz da humanidade mortal a sua força” (Jr 17,5). A religião se apaga para deixar brilhar a candeia apagada da péssima política! Pobres homens que ficarão às escuras!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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