Vivendo num ambiente de cultura cristã, não nos olvidemos que os números dos “sem religião” são deveras significativos entre nós. No Censo de 2010, os sem religião eram 8% da população brasileira, ou mais de 15 milhões de pessoas. Esse percentual vem crescendo década após década: eram 0,5% da população brasileira em 1960, 1,6% em 1980, 4,8% em 1991 e 7,3% em 2000. Em São Paulo, os jovens de 16 a 24 anos que se dizem com esse status, chegam a 30% dos entrevistados, superando evangélicos (27%), católicos (24%) e outras religiões (19%).

Sou um grande apreciador de um dos mais respeitados teólogos do século XXI, o padre Tomás Halík, da Checoslováquia. É famosa uma de suas expressões: “Quando alguém me diz que não acredita em Deus, pergunto sempre: em que Deus é que não acredita? Tem de ter alguma imagem de Deus, algum conceito no qual não acredita. Depois de ele explicar a sua imagem de Deus, muitas vezes sou obrigado a responder: Ainda bem que você não acredita num Deus assim, eu também não”!

Escapa ao escopo deste artigo e incompatível com este espaço uma digressão sobre as causas do aumento dos sem religião. Deixo essa tarefa para os sociólogos desta área. Contudo, Halík preconiza, numa das ideias centrais do seu pensamento, que o cristianismo sobreviverá num diálogo profícuo com a cultura, com o pensamento diferente e encarando as grandes perguntas do homem hodierno sem se apressar a dar respostas imediatas e muito menos simplistas! É um pensador do diálogo, em busca da verdade que se constrói no respeito mútuo. É um homem de Francisco!

O tempo pascal, epicentro da religião cristã, constitui-se numa ponte consistente para ligar o lado crente à mais racionalista das margens! O mistério que os discípulos de Cristo celebram é a morte e a ressurreição d’Ele, baseado na sepultura vazia, após uma morte repleta de significado. Toda a vida do cristão brota deste Mistério Central. Não é casual.

O que torna viva e eterna uma mensagem que tocou o mundo há dois mil anos e lhe dá sentido pleno é a garantia explícita: o cemitério não é o final da linha, nem a morte a última palavra. Ora, não é alheio a nenhum ser humano, o seu destino e a recuperação definitiva de uma vida, que apesar de aparentemente fragmentada, foi se tecendo com maestria e revelando uma harmonia cujos tentáculos vão além do tempo. Há uma semente de eternidade no nosso DNA. Há a presença inquietante do absurdo, que se revelaria em histórias sem epílogo, tragadas para sempre. O ensaio de um tabuleiro sobre o rio que nos separa dos não crentes, passa pela morte. Ou melhor, pela vida!

Se desviarmos o curso, ainda que levemente, do coelhinho e do chocolate, encontraremos no conceito Páscoa, o combustível que nos move para além da mediocridade de uma existência rotineira e enclausurada e nos aporta aos umbrais dos maiores sonhos, que dão ao ser humano sua melhor definição.

Quando certo dia, li na entrada de uma igreja a frase “sepultura vazia: é proibido não ter esperança”, me reportei aos grandes momentos trágicos da história da humanidade, como os campos de extermínio, em que homens e mulheres convivendo diuturnamente com a morte, ainda encontravam forças para compor poesias e entoar cânticos inaudíveis de vitória sobre a ignomínia dos algozes. Como crente, lembrei-me do sussurro do crucificado ao seu companheiro de suplício: “Ainda hoje estarás comigo no paraíso”!

Viktor Frankl, fundador da logoterapia, é a foto colorida da esperança a que me refiro. Depois de perder a esposa, seus pais e o irmão nos campos de concentração, elaborou com maestria a teoria do sentido da vida.

Páscoa, do hebraico Pessach, significa passagem e nos remete a origens pastoris e campestres. Bem antes de ser assimilado pelos hebreus e pela religião do Antigo Testamento. Páscoa é primavera. É renovação. É vida nova. É esperança depois de um longo inverno. É sair das sepulturas que nos engolem em vida!

Manuel Joaquim R. dos Santos é padre na Arquidiocese de Londrina