Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO: Paisagem e Silêncios: estrada de Ferro Central do Paraná e São Salvador
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Viajar pela estrada PR-090 que acompanha o rio Paranapanema é experiência agradável. A seqüência de longas retas ondulantes e curvas suaves vão revelando horizontes e morros a perder de vista. Plantações de cada época tecem tons de verde. Vistas cênicas impressionam com amplitude e profundidade. Em vários momentos é possível ver, de relance, as águas do rio Paranapanema.

Seguir trechos da antiga Estrada de Autos. Atravessar a ponte sobre o ribeirão Vermelho. Contemplar as águas calmas da represa Capivara. Identificar o local destinado à povoação de São Salvador. Mirar a direção do Ramal Ferroviário de ligação ao rio Ivaí.

Relacionar paisagem, história e cartografia exige habilidades. Abro um mapa de 1925. É o “Mappa de Viação do Estado do Paraná com Indicação de suas Zonas Colonisadas ”. Um encarte colorido, dobrado, anexo de relatório oficial. Esquecido durante muito tempo, apresenta a estratégia de ocupação das Terras do Norte. (Yamaki, 2017)

Uma análise atenta permite identificar dois eixos que se encontram num ponto, na foz do ribeirão Vermelho. O primeiro eixo é a Estrada de Autos, sentido Leste-Oeste, que acompanha o rio Paranapanema desde Cambará. O segundo eixo é o ramal ferroviário, sentido Norte-Sul, da Estrada de Ferro Central do Paraná ajustada para a CTNP (1925). Segue até a Linha Tronco na bacia do Ivaí, cabeceira dos rios Marrecas e Bom. No caminho, atravessa as terras da Fazenda Floresta, Concessão Beltrão e Fazenda Três Boccas.

Finalmente, o ponto. No cruzamento dos eixos estava prevista a “Povoação de São Salvador”. Um decreto de 1925 desapropriava “área de dois mil hectares sobre o ribeirão Vermelho... visando policiar e convergir a população para o Norte do Estado, facilitando a povoação de extensas zonas que ainda se acham despovoadas.” Logo manifestou um jornal: “O governo do Paraná resolve intervir “manu-millitari” na zona conflagrada e ahi funda uma povoação, invocando o nome do Christo Salvador”. Era considerada “zona de duelo de grileiros e tubarões”. A iniciativa da povoação evidencia ação coordenada entre Estado e colonizadoras.

Retomando a análise do eixo NS, ramal 2 da EFCP ajustada para a Companhia de Terras Norte do Paraná (1925). Conforme concessão, a ferrovia teria declividade máxima de 2%, curvas de raio mínimo de 150m, retas para estação e previsão de instalação de núcleos coloniais.

Existem várias evidências da influência do traçado da EFCP ajustada para a CTNP, nas diretrizes de colonização. A ferrovia é reconhecível, por exemplo, na “Planta de Londrina” (Razgulaeff, 1932). Nela estão demarcadas datas vendidas e reservadas. Concentram-se nas imediações da rua Heimtal (atual Duque de Caxias) e av. Paraná (atual Celso Garcia Cid). O pioneiro Hotel Luxemburgo (1932) foi construído na esquina da rua Heimtal com Goyaz, distante seis quadras da Estação da Companhia Ferroviária São Paulo Paraná CFSPP (1928) efetivamente implantada. Existe uma lenda de que o dono do Luxemburgo afirmava ter sido enganado. Certamente imaginava, como outros compradores de datas, a estação da EFCP ajustada perto do hotel.

A ferrovia EFCP foi silenciada nas publicações da CTNP. O mesmo aconteceu nos relatos de viajantes e pesquisadores. Entre eles Monbeig (1935), Deffontaines (1938), Levi Strauss (1955), e autores subsequentes. Prevaleceu o discurso oficial dos trilhos da Companhia Ferroviária São Paulo Paraná CFSPP (1928), prolongados a partir de Cambará, passando por Jatahy.

Hoje, superbuses vermelhos deslizam pelas longas retas e curvas tranquilas da Av. Duque de Caxias e Rodovia Carlos Strass. Da próxima vez que passar por um desses locais, tente imaginar uma viagem de trem. Aos aventureiros ao longo do Paranapanema, reconhecer a centenária Estrada de Autos. Propor itinerários. Interpretar a paisagem. Ouvir silêncios.

Humberto Yamaki é coordenador do Laboratório de Paisagem da UEL (Universidade Estadual de Londrina)