Nossos sentimentos morais sadios pressupõem que o mal é causado por uma vontade que se decidiu pelo mal. Em que pese o valor teórico das circunstâncias, contextos, história e natureza, cabe reconhecer que esses aspectos não concorrem com a linguagem moral. Às vezes, podem ser, até certo ponto, acolhidos em nossos juízos, porém jamais serão suficientes para nossa visão sobre o certo e o errado.

O grupo terrorista Hamas deu início a uma série de eventos no dia 07 de outubro deste ano. Quando falo em dar início a uma série de eventos, lembro-me de Kant. O famoso filósofo alemão do século XVIII ensinou que a perspectiva que entende uma ação como consequência necessária de outras ocorrências simplesmente não captura o sentido moral do agir, sendo, assim, incongruente com nossos juízos de censura moral. O sentido moral de uma ação implica a compreensão de que ela é produto de uma vontade livre, de uma vontade que quis fazer o que fez, não tendo sido, pois, determinada externamente.

Vale ressaltar que terrorista é um termo que eu uso aqui num sentido moral para qualificar aquelas ações agressivas, violentas que miram difundir, de modo intencional e direto, o pavor nos indivíduos. O terrorista não tem escrúpulos morais, nada de bom que ele fale sobre seus fins pode justificar os meios que emprega. Os terroristas decidiram matar, estuprar, sequestrar, aterrorizar, pôr fim à vida de inocentes. Nesse sentido, as suas ações bárbaras são o carimbo da maldade que carregam em suas mentes e corações.

Schopenhauer, com razão, disse: “sempre que se discute entre seres humanos sobre uma ação de importância moral, cada qual procura pela intenção e só julga de acordo com esta, como também, por outro lado, quando alguém vê sua ação mal interpretada, é por meio da intenção que se justifica ou se desculpa quando ela teve um resultado prejudicial” (nesse ponto Kant e Schopenhauer são aliados, embora não o sejam a respeito da teoria da liberdade). Dentro do escopo de luta legítima pela existência de um Estado palestino, ações como as praticadas pelos terroristas do Hamas jamais podem ser acomodadas.

Penso que Israel exerce seu legítimo direito de defesa ao atacar o Hamas. Agora, a morte de civis inocentes, especialmente crianças, vai de encontro aos sentimentos morais que vicejam em nossos peitos. Não há como ser indiferente, não há como pensar que “é assim mesmo, é a guerra” diante de cenas como as que temos visto na Faixa de Gaza. Sabe-se que o Hamas usa hospitais, creches, centros sociais e escolas como escudos. De toda forma, a morte de inocentes também deve ser um problema para Israel.

Talvez eu esteja sendo ingênuo, mas acredito que não se pode dizer, pelo que temos visto, que Israel é totalmente insensível a isso, pois, de alguma forma, o constrangimento moral (ou simplesmente a ilegitimidade moral) que certas ações de seu exército protagonizam, repercutem nas suas decisões e táticas bélicas. Nisso eu vejo uma base para refutar a tese da simetria moral entre terroristas do Hamas e o Estado de Israel. Ademais, que eu saiba nunca Israel cometeu tamanha atrocidade contra palestinos como o que o Hamas perpetrou no sábado, dia 7, contra judeus.

Aguinaldo Pavão, professor de filosofia da UEL (Universidade Estadual de Londrina)

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