Por um período de 200 anos, Israel foi conduzida por juízes (1250 a.C. - 1030 a.C.), alguns famosos como Débora (Jz 4), Gedeão (Jz 6) e Sansão (Jz 13). Contudo, esse período entrou em colapso por diversos motivos: nepotismo (1Sm 8,1), corrupção e suborno por parte dos juízes (1Sm 8,3) e abuso dos sacerdotes com as oferendas do povo (1Sm 2,12-36).

Neste tempo grandes potências estavam se levantando como o Egito, a Assíria e a Babilônia. Israel vivia ataques constantes dos Filisteus e Amonitas (1Sm 11). Com isso, surge o desejo do povo israelita de ter um rei; isso se mostrou como um abandono do projeto de Deus porque achavam que essas potências terrestres teriam mais poder militar, econômico e cultural por ter um monarca.

O surgimento da monarquia faz com que surjam também profetas em razão das crises que os próprios reis instauraram. O profeta, neste contexto, passa a ser a voz de Deus, que anuncia e denuncia, defende os pobres e marginalizados e clama por justiça, e não teme a própria morte pelo estabelecimento da Verdade.

Essa ação profética não pode estar atrelada aos seus gostos “ideológicos” e muito menos “partidários”. O profeta é um homem livre, que como dizem “não pode dever pedra” para ninguém e muito menos ter o “rabo preso”. Por isso, afirmo no título desta reflexão, “o risco de uma profecia direcionada”; direcionar é quando manipulamos a Verdade do Evangelho de Jesus para atender às expectativas de areópagos particulares e ideológicos, sejam eles quais forem, seja de esquerda, direita ou centro, ou até mesmo para atender as aspirações pessoais.

Por esse motivo, a Igreja Mater et Magistra recomenda aos clérigos no seu Código de Direito Canônico (cân. 285 § 3º e 287 § § 1º e 2º) a não participação ativa em cargos públicos, partidos políticos e direção de associações sindicais. Mas, por que isso? Porque isso compromete a liberdade da profecia, perde-se a imparcialidade, se questiona a motivação deste ato como aproveitamento do cargo eclesiástico assumido e fora que salienta e reforça as divisões já existentes no próprio clero e nas comunidades religiosas.

Jesus era um homem de uma profecia livre, não-direcionada: denunciava as incoerências do Império Romano (Cf. Mt 22,15-22; 27,11-26; Jo 18,36; Lc 23,6-12, Mc 15,1-15), dos seguidores da sua própria religião, do judaísmo (Mt 15,1-9; 23,1-39; Lc 11,37-54; Mc 12,38-40; Jo 7,19-24) e até mesmo dos seus próprios discípulos-seguidores (Mt 16,5-12; Mc 10,13-16; 9,33-37; Jo 13,5-15).

No Antigo Testamento vemos também o exemplo do profeta Jeremias que até denuncia as incoerências e infidelidade dos próprios irmãos e amigos (Jr 12,6; 20) mostrando que o profeta deve ser um homem livre e de livre profecia, profetiza pela Verdade e não está aprisionado a grupos de interesses pessoais. O profeta não pode profetizar para ser um “lacrador” social; a profecia nada tem a ver com o engagement na social media. É triste quando vemos uma profecia encapsulada por agendas políticas, que não permitem a autocrítica e que se perdem numa autorreferencialidade soberba e por vezes, perversa.

A mensagem Evangélica transcende esses aspectos, “porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes, penetra até a divisão da alma, e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4,12). A profecia de Deus é poderosa e não acovardada; machuca, mas redime e regenera para a Vida Eterna. Um infortúnio que hoje a profecia para muitos não admite a realidade da crítica dos próprios grupos onde estão inseridos “os profetas de hoje”, e que o aspecto transcendente da profecia seja sufocado por uma busca fracassada de uma redenção apenas imanente ou de uma utopia social, que já vimos na história geral que não foi proveitosa, mas danosa. E isso não se trata de ser conservador ou progressista, mas de ser coerente com as Sagradas Escrituras.

A profecia não pode ser aprisionada por nenhum aspecto, nenhum. Como diz Clodovis Boff “o teólogo que não reza não aguenta e não consegue penetrar a Verdade da fé e tende a ser um herege” e acrescento ainda, que jamais terá uma profecia autêntica, mas direcionada a interesses escusos que não colaboram no anúncio do Reino de Deus sobre essa terra. Tenho certeza que a crise da profecia de hoje é sobretudo uma crise da compreensão dos aspectos escatológicos que tangem a própria fé cristã.

Diácono Caio Matheus Caldeira da Silva, doutorando e mestre em Bíblia (PUC-PR), pesquisador Capes