Leio, em mídias sociais, notícia da cassação do mandato do deputado federal Deltan Dallagnol. Li, reli e três li a matéria.

Já esperava por isso, suposto que a decisão do TRE do Paraná, ao validar a tese de que a exoneração de Deltan dos quadros do Ministério Público Federal, em polo de convívio com 15 procedimentos disciplinares em andamento, seria compatível com o preceito ético mínimo do estado, malferiu a Lei da Ficha Limpa, flexibilizando o seu alcance – para ser elegante com o TRE.

Em que pese não gostar nem um pouco de Deltan, esse meu desgostar não impede esquecer que sempre fui crítico feroz da Lei da Ficha da Limpa, por considerá-la a soma de vários equívocos – ainda que tisnada em favor de uma tentativa de moralização da vida política.

Processos administrativos em andamento, a meu ver, não deveriam desaguar na inelegibilidade de quem quer que seja. Mas desaguam porque a Lei da Ficha Limpa trilhou esse caminho com o apoio feroz de gente como, Deltan...

Há uma fina ironia nessa situação. O paladino da moralidade (Deltan) foi apanhado nu e está sem roupa, justamente porque as perdeu para o seu apego punitivista.

O mundo não é senão a metáfora nossa de cada dia e nós os fazedores de pequenas tolices que, do espaço sideral, verberaram a luz de uma ignorância bruta e de uma incapacidade latente de nos colocarmos no lugar do outro.

Isso, todavia, não obnubila considerar um acerto (afinal o princípio da legalidade está contemplado na decisão) a cassação do mandato de quem acreditou ter fintado, na exoneração, um diploma legal.

Outro tanto, lembro das muitas ocasiões em que fui confrontado severamente por colegas que jamais esgrimiam meus argumentos contrários à Lei da Ficha da Limpa com considerações técnicas que possibilitassem um debate, e sim com o raso e já clássico estigma que me alocava ‘a favor da corrupção’.

Dá muita pena ter que responder a advogado que o fato de eu criticar um diploma legal por seu viés de constitucionalidade (para mim segue incompatível o convívio da cláusula pétrea da presunção de inocência com a vigência de procedimentos administrativos ensejarem a inelegibilidade, em que pese o STF ter, em 2012, entendido pela constitucionalidade da lei) não me coloca ao lado de ninguém que não de minhas convicções e conhecimento.

Fato é: Deltan está cassado, à unanimidade e pelo TSE, por precedente que ele próprio aplaudiu quando se colmatou o diploma legal que buscou ‘moralizar’ a vida política no país e essa sua ‘nova condição’, em prevalecendo sobre um seu possível recurso ao Supremo, o coloca em uma vala comum com gente do calibre de Hildebrando – para se repensar a lei...

Noves fora, estou muito feliz pelo resultado do julgamento. Quer pelo acerto do TSE, quer pela saída de cena de Dallagnol, o breve...

A decisão unânime tirada no Superior Eleitoral faz bem à democracia tanto quanto a retirada de Deltan do jogo, naquilo que o meteórico parlamentar, para vir a sê-lo, usou sua prerrogativa funcional enquanto promotor, em causa própria (e com os filhos de Januário + o ex-juiz senador) e gente assim não atende ao certame democrático do Estado.

Pelas folhas desta FOLHA e ao longo da pandemia, pude registrar o que pensava e sigo pensando do lavajatismo de Deltan, estabelecendo as premissas do mal que ele, os filhos de Januário e o ex-juiz Moro (falta você!) fizeram ao Estado democrático de direito ao politizarem (em causa própria) o poder judiciário.

O conluio ilícito que a Vaza Jato (pela atuação do repórter Glenn Greenwald e do sitio The Intercept) mostrou, de tão espúrio e malévolo, em um lugar (minimamente) não contaminado como o Brasil esteve no período lavajatista, já teria custado a prisão de seus atores políticos (Deltan + filhos de Januário + Moro entre outros), pela prevaricação revelada no abandono ao dever de ofício em favor da atenção de interesses pessoais.

Deixar de lado a prática democrática e processualmente estabelecida pela legislação, na condução de um processo, é sim um desvio de finalidade que pode desaguar em prevaricação, naquilo que se deixou de praticar o ato de ofício que a investidura da função reclamava.

A opção pela investida contra alvos determinados (Lula e o PT) além de demarcar o law fare recepcionado na decisão de suspeição de Moro, ditada pelo STF, potencializa a nocividade da atuação dos atores, suposto que estes não foram senão os players das próprias querenças e interesses.

Não houve, entrementes, quem ousasse esgrimir críticas e trazer luz ao debate, muito devido ao estado de embriagues em que o país se colocou. Isso tudo desaguou na cadela de pensamento único que chocou o ovo da serpente fascista.

Assim e então, ao tempo em que sigo criticando o diploma que cassou o mandato de Deltan, aponto o acerto da decisão naquilo que a legalidade está respeitada – e isso foi muito mais do que Deltan fez pelos muitos réus que acusou.

Tristes trópicos, onde a aventura da vida espelha filigranas de uma resiliência imprescindível em nossos dias. Saudade Pai.

Tchau Dallagnol.

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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