Em 31/06/2023, o ex-presidente foi julgado por abuso de poder político e uso indevido das mídias sociais em decorrência da reunião com embaixadores, ocorrida em 18/07/2022; declarou-se-lhe sua inelegibilidade por oito anos. Quatro meses depois, houve segundo julgamento, também declarando sua inelegibilidade por fatos relativos à sua participação no bicentenário da independência.

Ambos os fatos, que deram suporte a esses julgamentos, ocorreram no período em que era presidente da República, no exercício da função.

Isto porque, o Acórdão (decisão final) do TSE que deferiu o pedido de registro de candidatura à reeleição presidencial foi publicado em 8/9, às 15h53 e o fechamento do sistema com a autorização "candidato nas urnas", se deu às 16h41; apenas em 10/9/2022 houve o trânsito em julgado (confirmação da candidatura), conforme decisão do ministro relator (proferida em 27/10/2022, às 16h03) no processo de registro de candidatura n. 0600729-02.2022.

De acordo com a Resolução 23.675/2021 do TSE (artigo 38), as intimações nos processos de registro de candidatura serão realizadas no mural eletrônico, fixando-se o termo inicial do prazo na data de sua publicação. A partir daí, tornando-se candidato, poderíamos avaliar a incidência da Lei Complementar n. 64 de 1990, que trata da inelegibilidade dos candidatos, pelos atos praticados deste momento em diante. Até que isso ocorra, há apenas expectativa de direito em vir a se tornar candidato, que pode ser confirmada ou não.

Logo, acusações a fatos relativos ao período em que exercia o cargo de presidente da República, tal como uso de sua residência para transmitir "live" semanal, reunião com embaixadores, participação no bicentenário, etc., caso ensejasse crime de responsabilidade, o mecanismo cabível previsto em lei seria o processo e julgamento de impeachment pelo Senado Federal, conforme atribuição que lhe é privativa (CF/88, art. 52, inciso 1º), o qual, sendo procedente, aplicaria a inelegibilidade por oito anos; não pela Corte Eleitoral, pois esta, ao meu ver, não tem competência para julgar atos do presidente da República, no exercício do mandato, e antes de ser concluído o processo de pedido de candidatura à reeleição, que se deu em 10/09/2022, sob pena de violar pactos internacionais e a independência dos Poderes da República.

Trata-se de regra de competência inafastável, pois "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (CF/88, art. 5º, inciso 53). Aliás, de acordo com a Lei Complementar 64, art. 25, a arguição de inelegibilidade, ou a impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé, é considerada crime eleitoral.

Veja o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ao qual o Brasil é signatário por meio do decreto n. 592 de 06/07/1992, que assegura a todo cidadão o direito a ser eleito em eleições periódicas que garantam a manifestação de vontade dos eleitores (art. 25, item b, combinado com art. 2º), sem qualquer forma de discriminação em decorrência de sua "opinião política ou de outra natureza". E mais: o art. 19 garante que "ninguém poderá ser molestado por suas opiniões." O Pacto se aplica a todos os brasileiros, inclusive ao então presidente. Também o Pacto de São José da Costa Rica, em vigor no Brasil desde 25/09/1992 (Decreto 678/92), prevê que a restrição a disputar eleições depende de condenação, por juiz competente, em processo penal. (art. 23, inciso 2º).

Por fim, vale recordar que o atual presidente somente se tornou elegível porque suas condenações foram anuladas, justamente por não ter sido observado a regra basilar da competência para processo e julgamento.

Eduardo Tozzini, advogado.

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