Não tenho mais paciência para conviver com as bobagens aleivosas de nossa época de má poesia e desencantamento, onde a bravata irresponsável, a fala ofensiva, vem sendo desafiada, via de regra, em ocasião de apelo midiático, onde a aparência de um singelo ‘nonsense’ encoberta, a bem da recomposição da história, sensível proliferação de discursos de ódio.

Há método na fala idiotizante dos fascistas. Foi assim na Alemanha dos nazistas, na Itália dos fascistas, na Espanha do generalíssimo, no Chile da covardia militar, vem sendo assim no neofascismo tropical.

Venho criticando a opção política pelo ódio há muito tempo, mas não desconheço que o sol equatorial parece esmaecer as promessas de bem querer e, para agradar sua elite econômica ignorante, vem abraçando o lado escuro da lua sempre que botas totalitárias se pronunciam.

Pior que ingestão noturna de carboidrato para quem busca se livrar do sobrepeso, a direita brasileira vem se caracterizando (de 2016 em diante) pelo abandono do espectro racional, abraçando livremente a própria paixão.

Assim é que esse Narciso político contemporâneo evoluiu (metaforicamente falando) e se enamorou da fonte neopentecostal, parindo a cultura coach – espécie de flagelo social que se aloca nas fraquezas (morais e físicas) de uma sociedade dependente da falsa percepção de felicidade, vendendo nada e entregando exatamente o que vende.

Esse compasso desenha nossa encruzilhada existencial onde o norte da américa ressuscitou os dinossauros e eles já falam na ONU, já dizem do que gostamos e estão a queimar livros e cabrestiar a bem-querença que anima corações solitários à uma ultima aventura...

Será mesmo que distraídos venceremos Paulo?

Passou, todavia, que no último debate entre os postulantes ao posto máximo da administração política dos bandeirantes da capital (cujo grande equívoco é não chamar Corinthians), o coach deplorável da extrema direita (que nós outros, gauches, não consumimos) soltou a seguinte pérola: ‘Mulher é inteligente e, por isso, não vota em mulher’.

Falou isso e isso vem flanando (em meus pensamentos) feito a bruma que não resolve distâncias mas protege o dragão, naquilo que relativizou ignorantemente a condição feminina, potencializando sua exploração em redes sociais que, dia após dia, alimentam o desânimo da maledicência sobre o dourado da árvore verde da vida.

Não vou deixar barato, seja porque ‘minha porção mulher que até então se resguardara é a porção melhor que trago em mim agora’ ou, pelo fato do filho mais velho de minha mãe não ter nascido para, no instante em que pensou com a cabeça de baixo, esquecer a própria origem...

Há um excesso de testosterona circundando o universo coach (seja lá o que for isso) e essa miséria existencial encontra eco na extrema direita de nossa circunstancia atual, onde a ignorância copula com o ódio e estão, dia após dia, parindo pequenos idiotas raivosos...

Essa leseira existencial explica, em grande medida, a fixação dessa gente em Paulo Freire que não merecia tamanha desconsideração cognitiva, naquilo que dez entre dez críticos de sua obra não a conhecem, senão rasa e superficialmente.

Se você leu a Pedagogia do Oprimido e não se viu, não se situou, não se encontrou no universo, é porque você não reconheceu no outro a tua metade distintiva, naquilo que educar segue sendo uma ação humana mediatizada pelo mundo. Tampouco entendeu na leitura um ato de amor.

Faça a seguinte experiência: vá a um bar descolado, desses que abrem toda semana sob a luz do consumo. Vá em um momento temporal feliz (após 18:00) e desande sustentar, após o segundo drink, um qualquer desgosto de Paulo Freire, alinhando seu motivo em uma veleidade qualquer – não gosto de Paulo Freire porque sua atuação na guerra do Paraguai foi temerária; não gosto de Paulo Freire porque sua colaboração com os judeus do gueto de Varsóvia levou o Brasil a participar da Segunda Guerra mundial. E pur si muove...

Você encontrará simpatizantes e, juntos, estarão prontos a doutrinar a horda de neo colonizados que anseia pela canga da ignorância sobre o coturno e as roupas táticas que alimentam o epílogo bestial de nossos dias de individualismo exacerbado e, por isso mesmo, solidão monumental.

Resgato a memória de Paulo Freire para alinhá-la em franca oposição a cultura coach, naquilo que esta é deletério cultural da educação, uma vez que o conhecimento não frequenta a ambiência do estelionato...

Noves fora, mulher vota em quem a mulher quiser votar e não há lastro racional que abasteça a fala do coach, toda enviesada nos conceitos pré-constituídos que alimentam sua cultura cerzida na inutilidade de propósitos e na captura de vontades hesitantes ante o bom da vida...

Assim, você que ouviu ele falar o que falou (‘Mulher é inteligente e, por isso, não vota em mulher’), antes de se animar e acreditar na valia conceitual que se estabeleceu, pense um pouco – que pensar não dói, acredite – e me aponte um (apenas um) elemento racional que alicerce o entendimento.

Tic tac, tic tac, tic tac...

Tristes trópicos, onde ser mulher significa ter que ouvir Pablo Marçal falar água sobre o universo feminino e, ainda assim, conviver com aquela sua amiga que considera votar no sicofanta porque ele alimenta uma subcultura explorativa que expande os limites do neoliberalismo à custa de conquistas sociais da civilização.

Saudade Pai, você ensinou que viver não conjura desconsiderar mulher!

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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