José Saramago, que faria 100 anos neste ano, no seu Ensaio sobre a Cegueira, iluminaria com certeza o atual momento político brasileiro. A crítica do autor é que de tanto vermos, cegamos. Não vemos os próximos, as proximidades, as mazelas, nem as metáforas. “Costuma-se até dizer que não há cegueiras, mas cegos, quando a experiência dos tempos não tem feito outra coisa que dizer-nos que não há cegos, mas cegueiras” assim escreve Saramago. E num outro escrito ele diz: “é necessário sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós mesmos”. O ano eleitoral no país, que já iniciou há três anos e alguns meses, revela uma ofuscação generalizada incapaz de enxergar o essencial, que neste caso é o próprio Brasil.

De fato, vivemos uma fase de congelamento total de mentes e raciocínios, inviabilizando discussões sadias sobre o processo eleitoral e a vida pública desta nação. 25% de brasileiros não arreda pé da veneração ao mito, porque as razões religiosas que os levam a acreditar no presidente, são per si, inamovíveis. Do outro lado, cerca de 40% dos brasileiros não abre mão do ex-presidente, por uma afinidade ideológica tão religiosa quanto, ou que seja até uma frustração com desacertos da Lava Jato.

Será uma campanha eleitoral medíocre e reducionista, repleta de previsibilidades e o pior, potencialmente geradora de situações constrangedoras e delicadas, previamente demonstradas na última eleição presidencial nos Estados Unidos. Portanto, 65% dos brasileiros se entrincheiraram e muniram de todas as armas possíveis, não para defender um novo modelo para o país, mas simplesmente para não abrir mão de posições sagradas constitutivas daquilo que são e, portanto, não passíveis de serem extirpadas!

Os adeptos do ex-presidente correm o risco de desejarem apenas trazer de volta os louros da primeira década deste milênio, nitidamente beneficiados por uma conjuntura internacional e preço de commodities. Evidentemente, apelando para programas sociais de sucesso da época que poderão ter imensas dificuldades em ser repetidos nesta terceira década.

É um sinal inequívoco de pobreza dialética, não se vislumbrarem indícios de uma revisão de procedimentos não tão republicanos, durante aquele período. Contudo, os militantes aguerridos em torno do atual inquilino do Planalto demonstram uma alienação e uma cegueira total, perante fatos ocorridos nestes três anos, impedindo inclusive uma análise objetiva e coerente sobre a conjuntura da eleição em 2018.

Envoltos numa cultura de fake news e negacionismo, adotando slogans petrificados de acusações contra a esquerda, em sentido tão genérico quanto folclórico, não conseguem enxergar as aberrações e contradições do atual governo.

O elemento religioso dos dois posicionamentos impedirá qualquer revisão de posturas e uma abertura a possíveis alternativas, mais adequadas para este processo. Saliente-se a impotência da esquerda majoritária em apresentar outro nome que não o do ex-presidente. Neste ínterim, 35% dos brasileiros correm para o voto útil e para o menos pior, o que não é novidade em democracia. Vejo, porém, com satisfação, cantoras como Anitta, com 17 milhões de seguidores no Twitter e, pelo que eu sei, minimamente politizada, movendo as placas tectônicas da conscientização política, ainda que invisíveis pela profundidade oceânica e ausência de grandes manifestações!

Quem viver verá, mas nestes próximos seis meses, não contemos com mudanças institucionais ou sociologicamente previsíveis, mas com a revelação de deslocamentos submersos que poderão influenciar definitivamente o processo. Os dois candidatos na vanguarda deverão ficar de olho, nesse momento de cegueira generalizada.

E se me permitem os leitores, trago de novo meu conterrâneo Saramago: “Para estes, a cegueira não era viver banalmente rodeado de trevas, mas no interior de uma glória luminosa”; ou então: “Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, cegos que veem, cegos que, vendo, não veem”.

Enquanto isso, de uns tempos para cá, as ferramentas processuais de direito têm sido usadas para fins políticos. Vejamos a decisão do “cala a boca” sobre o Lollapalooza! Felizmente, para bem geral da nação, houve arrependimento quaresmal oportuno!

Manuel Joaquim Rodrigues Santos, padre na Arquidiocese de Londrina

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