Escrevo este artigo no dia de S. Francisco de Assis, o santo medievo que ficou conhecido pela sua harmonia com o meio ambiente e com a criação em geral. Alguém que de forma claramente precoce defendeu que o ser humano não veio ao mundo como “estranho à criação” para destruí-la a seu belo prazer! Pois bem. Foi exatamente a data escolhida pelo Papa Francisco para lançar a segunda parte da sua encíclica Laudate Si, desta vez com o título de Laudate Deum (Deus seja louvado).

Um documento lançado a apenas alguns dias da COP 28 em Dubai e isso, evidentemente, não é por acaso! O papa apela, clama, exige dos líderes mundiais que o escutem sobre uma dilacerante realidade: “O mundo que nos acolhe está desmoronando e pode estar se aproximando de um ponto de ruptura”! Não se trata mais de “negar”, “esconder”, “ocultar” ou “relativizar” os sinais da mudança climática: eles estão aí, cada vez mais evidentes!

O documento é repleto de dados científicos para combater o negacionismo, que segundo Francisco também existe lamentavelmente dentro da Igreja. Em seis capítulos e setenta e três parágrafos, o papa de quase 87 anos emite um grito de alerta que “poderá ser o último” sobre este assunto! Por dois motivos óbvios: a sua idade e o estágio avançado da destruição do planeta com a mudança climática em curso! Ao afirmar que a mudança nas temperaturas médias da superfície não pode ser explicada sem o efeito do aumento dos gases de efeito estufa, o autor da encíclica é perentório em combater os que ainda se escusam a aceitar a dilacerante realidade.

Mas Francisco vai mais longe! Muito mais! Com sua autoridade existencial, que lhe advém de uma vida de opção pelos mais fracos, ele fala: “A culpa não é dos pobres! uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que o 50% mais pobre"! A questão, segundo o papa, não é os mais pobres terem em geral muitos filhos! Essa é uma visão perversa e equivocada, que tem levado à mutilação de mulheres nos países menos desenvolvidos. Também não é verídica a tese de que a diminuição do uso dos combustíveis fósseis geraria uma terrível onda de desemprego! Com certa ironia, o ppa diz que milhões perdem, sim, o emprego, devido à mudança climática!

E mais! A mudança para o uso de energias renováveis geraria muitos postos de trabalho! O profetismo costumeiro de Francisco também não se faz esperar: “Infelizmente, a crise climática não é propriamente uma questão que interesse às grandes potências econômicas, preocupadas em obter o maior lucro ao menor custo e no mais curto espaço de tempo possíveis”, dispara ele!

A encíclica é riquíssima ao abordar as causas desta “tragédia humana” e ao apontar caminhos. O homem não é um fim em si mesmo. Não é o “rei da criação” e não pode confiar no desenvolvimento tecnológico como único parâmetro de “bem”! O papa explica o que consistiria esse paradigma tecnocrata: “consiste, substancialmente, em pensar como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia”! De fato, Francisco lembra que nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, mas parece que não o está usando para o bem!

Ao denunciar a decadência ética do poder, o Santo Padre afirma: “ela é disfarçada pelo marketing e pela informação falsa, mecanismos úteis nas mãos de quem tem maiores recursos para influenciar a opinião pública através deles". E o pior! Segundo o papa, podemos notar como às vezes os próprios pobres, confundidos e encantados perante as promessas de tantos falsos profetas, caem no engano de um mundo que não é construído para eles! Nenhuma novidade, haja vista como projetos de extrema direita grassando pelo mundo tornam os pobres apoiadores de ideias que em última análise conspiram contra eles! Francisco é enérgico ao denunciar no número 32: “Há um domínio daqueles que nasceram com melhores condições de progresso"!

Este espaço é pequeno para um documento desta densidade! Recomendo a leitura.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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