No retorno da viagem à Hungria, na habitual conversa informal com os jornalistas, o papa Francisco deixou escapar que o Vaticano está trabalhando num plano de paz para suspender a terrível guerra na Ucrânia. Não é a primeira vez que Francisco se expõe desse jeito. No retorno da Jornada Mundial da Juventude no Rio, disse ele: "Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?" Isso lhe custou inúmeras críticas da ala mais conservadora da Igreja.

O papa é diferente dos anteriores, ao fazer desse tipo de exposição midiática o seu maior trunfo! Abrindo-se a um possível constrangimento, ele reforça seu jeito de ser transparente e humano. E nisso, ele é Francisco! O papa mais sui generis das últimas décadas! Como disse Elton John: “O papa Francisco é para a Igreja Católica a melhor notícia dos últimos vários séculos! Este homem, sozinho, foi capaz de reaproximar as pessoas dos ensinamentos de Cristo. Os não católicos, como eu, se levantam para aplaudir de pé a humildade de cada um de seus gestos. Porque Francisco é um milagre da humildade na era da vaidade”.

A paz para Francisco, porém, não é um detalhe ou mero discurso diplomático e político. Ele está em plena sintonia com todos os papas desde João XXIII, nos anos cinquenta. A Igreja busca a paz, por uma razão essencial e necessária, no sentido filosófico do termo: o seu fundador tem como um dos sobrenomes shalom, a paz!

Os tempos da era messiânica, segundo o Antigo Testamento, refletiriam essa paz que só o Filho de David poderia trazer aos homens. De fato, a palavra hebraica shalom (שׁלום) tem como raiz o conceito de integridade ou completude e sempre nos remete para a noção de perfeição (shelemut).

Segundo R. COSTE em "Théologie de la paix", a paz está no centro da pregação de Jesus. Em seu anúncio evangélico do Reino de Deus, a paz é uma realidade presente, seja explicitamente ou de maneira implícita, na proclamação de que a esperança messiânica se realiza com a chegada do dom da paz. De igual modo, a vida de Jesus está profundamente relacionada com a paz. Seu nascimento é interpretado como o cumprimento da promessa da paz para a humanidade; sua morte na cruz, como o estabelecimento da paz reconciliadora; os encontros com os seus discípulos, após a Ressurreição, como doação da paz definitiva, a “sua paz”.

O Vaticano tem um excelente corpo diplomático, já testado em vários momentos ao longo da história. Uma das maiores dificuldades, como já denunciei aqui, é infelizmente a postura do líder da Igreja Ortodoxa da Rússia, apoiando Putin nos seus objetivos, recusando-se, inclusive, a receber o papa Francisco.

O Vaticano trabalha com a convicção de que a Rússia é uma invasora e esse crime é insustentável; contudo, não endossa atitudes que signifiquem aprofundar o conflito já existente. O papa, ao contrário de outros líderes mundiais, tem conseguido manter a neutralidade, o que lhe proporciona a credibilidade fundamental para a negociação neste conflito.

A desocupação dos territórios invadidos concomitante à investigação internacional sobre as denúncias de Putin, de que a Ucrânia seria um “ninho de nazistas”, bem como o estabelecimento imediato de canais de diálogo entre a Otan e a Rússia, serão premissas imprescindíveis. Condições para que a Ucrânia não entre na CEE ou na própria Otan são inconcebíveis a um país independente e não deverão estar na mesa.

Francisco deseja que a solução para este imbróglio bélico, que deixou o planeta à beira de uma catástrofe nuclear, fosse o epílogo do seu pontificado. Seria perfeito. Aguardemos! O mundo agradeceria!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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