“Eu vou, eu vou, pra escola agora eu vou. Eu vou, eu vou queimar livros eu vou”.

E lá vão: ela de vestidinho cor-de-rosa e eles de terninhos azuis, caminhando e cantando de mãozinhas dadas, sem saber nada daquela canção e nem seus porquês. “Olhem como sabemos marchar pelo caminho nada suave da Terra plana”.

Acabaram esquecendo do mais animadinho da turma, de nome e modelo diminutivos, que embaça a santa e bela Catarina e acabou fora da cruzada do mal a atiçar filhos do obscuro pátrio e da moral nacional. Por que será que ele não surtou contra o livro “Avesso da Pele” se faz parte da mesma banda?

“Também um livro que já ganhou o Prêmio Tartaruga não pode ficar nas mãos de estudantes, de jeito nenhum”, comenta um.

“Você viu que elegeram uma mulher para a Academia Brasileira de Letras, Lilia, com um sobrenome esquisito – Schwarcz? Viu? Agora, só me falta convidarem um tal de Machado de Assis para aquela espelunca”, emenda outro.

Ela nem liga se o governador das terras da Revolução Farroupilha, Eduardo Leite, às vezes azeda com procedimentos sombrios, como tirar livros de circulação, com desculpas esfarrapadas. Ele determinou que os livros ficassem nas escolas. Mas, ela bateu o pezinho em Santa Cruz do Cruz, onde acendeu o pavio da polêmica. “Vamos tirar das mãos dos estudantes”.

“O melhor remédio é queimar para evitar que essa blasfêmia caia nas mãos de nossos filhos e netos”, completou algum dos acompanhantes do trio.

Um ajudante de ordens arrumou o quepe e lembrou: “Quem falou e fez isso na História foi o brilhante professor Joseph Goebbels”!

“Deixa pra lá, que isso dá encrenca. É melhor citar o filósofo Olavo Carvalho”, cutucou o de cabelos brancos esvoaçantes.

Ao saber da volta ou ameaça da censura, que parecia mumificada naqueles anos de “Anil, ame-o ou deixe-o”, o autor de “Avesso da Pele”, Prêmio Jabuti de 2021, escritor Jefferson Tenório, da mesma cor de Lima Barreto, comentou: “Já temos tão poucos leitores no Brasil e deveríamos estar preocupados em formar leitores e não censurar livros”.

Nada disso, escola é pra estudar, pisou forte o trio, para espanto das pessoas de bem e gozo de outra parte da bancada. Deputados espalharam veneno: olhem o que o PT quer colocar nas mãos de nossos filhos!

Mas, culparam a barba errada.

O livro alvo da polêmica a animar as pessoas mais conservadoras, que às vezes lotam templos, estádios de futebol e avenidas paulistas ou cariocas, estimuladas pelo apego ao golpear, não foi liberado pelo Ministério da Educação e Cultura nos tempos atuais.

Foi incluído no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), em 2020, no governo do guru do trio, o Messias, com a chancela do então secretário de educação básica, Gilson Passos de Oliveira.

Ao ouvir o autor do livro dizer que “não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes de ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos”, Janaina Venzon, a diretora da Escola Ernesto Alves, espumou: “É uma linguagem muito pesada”.

Com ela concordaram Ratinho e Caiado, sem lembrar que o livro foi liberado ainda em 2022, na gestão daquele, o artilheiro. Enfeitados de Salvadores da Pátria, os titulares sem ritmo cuidam para não atrapalhar sonhos espalhafatosos do Messias, ainda mais nos dias de agora com nuvens pesadas no horizonte supremo.

Isso parece não importar o trio da pedagogia do remansado e ele segue cantando seu refrão. Na mochila dos três e de deputâncias do mesmo credo abundam olhos graúdos para os devotos, ainda mais em época de votos: moralismo, conservadorismo, racismo e outros ismos...menos o rubro, pelo amor de Deus! Corações e mentes não podem saber de nada.

Pouco importam as assinaturas de mais de 1,5 mil intelectuais, das mais diferentes áreas do saber, repudiando a atitude de Janaina e de seus dois acompanhantes que dividem a gula para ser presidente do país, mesmo sendo pobres, tanto quanto o inelegível, em cardápio político e conduta humana.

“Que interesses, fora da educação, comportam as palavras da diretora?”, pergunta a Associação Gaúcha de Escritores. E tasca o dedo na ferida.

Nilson Monteiro, jornalista e escritor

***

Os artigos, cartas e comentários publicados não refletem, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina, que os reproduz em exercício da sua atividade jornalística e diante da liberdade de expressão e comunicação que lhes são inerentes.

COMO PARTICIPAR| Os artigos devem conter dados do autor e ter no máximo 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. As cartas devem ter no máximo 700 caracteres e vir acompanhadas de nome completo, RG, endereço, cidade, telefone e profissão ou ocupação.| As opiniões poderão ser resumidas pelo jornal. | ENVIE PARA [email protected]