Em buracos fétidos de águas turvas repletas de desespero, vislumbrar-se-iam nacos de esperança? Onde os profetas do niilismo, visionários míopes da derrocada civilizatória encontram as raias do absurdo, ouvir-se-ia o chilrear dos passarinhos anunciando um novo alvorecer?

Eis a questão pascal!

Eis um significado e significante, tão entrelaçados e consistentes que nem toneladas de chocolate e miríades de coelhinhos, poderão destruir! Falo eu mal dos bichinhos e da guloseima?! Longe de mim! A cultura popular sabe melhor do que a vã filosofia, adocicar e tornar palpáveis os grandes mistérios da vida! As crianças lambuzando os dedos e segurando com carinho bichinhos tão fofinhos e delicados em suas mãos, estão longe de ser os exterminadores dos eventos que os cristãos celebram nesta época do ano. Criança não mata mistério! Os adultos sim!

O cristianismo nasce da Páscoa não do Natal. Este sem aquela, não teria poder de mobilização que fosse além de uma festa familiar! “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica sempre um grão de trigo. Mas se morre, produzirá muito fruto” (Jo12,24). Jesus de Nazaré se ergueria no máximo, numa estátua em praça pública e saberíamos onde estaria a sua sepultura, como outros grandes homens do passado. E só.


icon-aspas A cultura popular sabe melhor do que a vã filosofia, adocicar e tornar palpáveis os grandes mistérios da vida!

Contudo, o evento pascal toma forma num acontecimento inédito e supra-humano. Quando as mulheres foram visitar o túmulo ainda na madrugada de domingo, para levar perfumes (Jo 20,1 ss), encontraram a pedra removida. O crucificado, o Profeta, o Mestre, virou “Senhor”! Ele não estava mais lá.

O anúncio (feito em primeira mão pelas mulheres) corre o bairro, a cidade, o país, o império, os “confins da Terra”, até aos dias de hoje. É um eco imparável, prenhe da maior dose de esperança que algum dia o ser humano já ouviu! “Porque procurais entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24,5).

O mundo se divide entre os que avançam e os petrificados, nostálgicos de uma época que não existe mais. O ir adiante é bíblico, é pascal. “Ide para a Galileia, Ele está seguindo adiante de vós. Lá o vereis” (Mt 28,7).

A Páscoa nos inclina para a frente. Mesmo que o vento e as ondas fustiguem os nossos rostos e esfriem a nossa alma, há certezas que ninguém nos pode roubar. Não é mero otimismo, nem satisfação momentânea, advindos de vários fatores. A esperança reveste-se de uma luta constante contra todos os sinais de morte que nos envolvem. Talvez seja a ela que Paulo se refere na carta aos Romanos ( Rm 4, 18).

Não há estrelas no céu, mas o céu está estrelado! Não há areias no mar, mas praias imensas a perder de vista nos aguardam, para moldarmos pegadas! Não há paz no mundo, porém, pegamos bebês no colo e lhes ensinamos sobre o amanhã! Há mais esperança dentro de um coração crente, do que ele mesmo possa imaginar!

O mundo do século XXI insiste em prolongar as horas horríveis de uma Sexta-feira Santa mortal. O Homem que morreu na cruz era Deus. E morreu de verdade. Mas ele continua morrendo, quando milhares de inocentes pagam com a vida pela covardia e insensatez de tantos!

Três papas que foram a Auschwitz, não hesitaram em dizer que Deus tinha morrido ali, com milhões de vítimas. Eu também o digo em relação a Gaza e tantos outros “campos de concentração” ao redor do planeta. Deus morre.

Não há teatro nem hipocrisia em Deus! Ele sucumbe, vítima da maldade e perversidade humanas! E é nesse Deus plenamente mortalque eu acredito. Mas, a Páscoa é um recado perentório que se dá a todos que passam pela morte: “a sepultura não é a última palavra! O cemitério não é o final da linha”. Não existe game over após o Domingo da Ressurreição.

Ficaria incompleto este escrito, se não déssemos à morte de Jesus o verdadeiro motivo. Foi a religião que o matou. Uma religião autorreferencial, prepotente, clericalista e economicista em torno do templo. Ele atacou o coração de um sistema corrupto que usava o nome de Deus em vão (Mt 21,12). Em nome desse Deus, mataram o Filho de Deus!

Feliz Páscoa!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina