ESPAÇO ABERTO: Esse país não é sério
PUBLICAÇÃO
sábado, 25 de fevereiro de 2023
Nélio Roberto dos Reis
“O Brasil não é um país sério”, frase atribuída a Charles de Gaulle, ex-presidente da França. Isso em fevereiro de 1963, durante um incidente diplomático envolvendo o Brasil e França em relação à pesca de lagostas. A frase ficou famosa, mas na verdade era do diplomata Carlos Alves de Souza, embaixador do Brasil na França. O país se identificou com a frase pela corrupção e absurdos políticos, que aconteciam na época. Reforçava o “complexo de vira-latas”, de Nelson Rodrigues, quando da derrota do Brasil para o Uruguai no Maracanã no final da Copa do Mundo de 1950.
Falo isso porque o mundo caiu em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, uma das regiões mais bonitas do Brasil (rodovia Rio-Santos). Quase 50 pessoas mortas, 30 desaparecidas, 50 casas destruídas. Eu procurava por notícias na TV e só ouvia as de Mangueira, Portela, Salgueiro e Vila Isabel. Por que o Carnaval é mais importante do que tantos brasileiros sendo desgraçados? Só fui saber de notícias na quarta-feira de manhã. Imagine se fosse a Copa do Mundo? Que Brasil é esse? Somos um país sério?
Com tantos desastres naturais acontecendo (S. Paulo, S. Catarina), tanta gente sofrendo com eles, como podemos desperdiçar tanto dinheiro neste carnaval? Não sou contra nenhum carnaval, mas ele não poderia ser feito com miçangas coloridas, algumas penas de galinha e chapéu de coco e investir o dinheiro de forma coerente naquilo que mais precisa? Não seria melhor as escolas trabalharem mais nas coreografias e gastar muito menos em ornamentações exageradas? Como podemos viver com tanta discrepância? No mínimo, não é uma atitude respeitável e coerente. Assim como todo o resto.
Gosto de futebol, mas vamos comparar o salário de um jogador que caminha para Copa pensando na cor de seus cabelos, com o de um professor que ensina uma criança a escrever suas primeiras palavras neste nosso país. Às vezes de forma sofrida e levando suas marmitas em escolas sem merenda. Justo isso? Também comparar o auxílio para assessores, alimentação, gasolina dados a um político com o salário de um gari que deixa limpa as nossas cidades. Ou ainda o auxílio moradia para um juiz com o de um cortador de cana nordestino, que trabalha de sol a sol. Esta é a justiça que vivemos neste Brasil varonil. Não é um discurso socialista, mas humanitário.
O país trata seus filhos com tanta desigualdade que todos nós deveríamos nos indignar. Por que uns são mais iguais do que os outros? Por que tanta diferença? Por que o mesmo sol brilha mais para alguns?
O conhecimento está acima da diferença da condição social?
Quantas saudades de quando a classe social, a cor e a religião não tinham diferença nas nossas amizades. Saudades da coragem, da misericórdia, das promessas com o fio da barba. Hoje nossos heróis são jogadores coloridos, pagode recheado de improbidades. Cantores ridículos são heróis nacionais.
De Norte a Sul, só não vê quem não quer, somos uma vitrine de desigualdades. Uns esbanjam afrontosamente e outros nem sabem se terão a próxima refeição. Pastores falam como Cristo, mas agem como o diabo. Como deveríamos agir com o próximo? Poderia ser mais fácil.
Acabando com Manuel Bandeira:
“Vi ontem um bicho, na imundice do pátio, catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, nem examinava, nem cheirava; engolia com voracidade. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem.” Esse pode ser o Brasil de hoje, cheio de bichos de diferentes cores e odores. Mas é bom que saibamos que somos nós mesmos divididos em classes. Os opressores e os oprimidos, privilegiados e desgraçados, algozes e vítimas, escravos e senhorios. “Felizes os perseguidos por justiça porque deles é o reino dos céus.”
Nélio Roberto dos Reis, professor universitário

