Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO: Essa tal liberdade
| Foto: Miguel Schincariol / AFP

Tentando entender o contexto político do momento, fui atrás de informações sobre as manifestações do dia 7 de setembro. Fiquei feliz em saber que se trata de uma manifestação pela “liberdade”. Fiquei feliz porque o tema da liberdade é muito urgente e pode até unir o país. Explico meu ponto de vista.

É de liberdade que se está falando quando se quer discutir o aborto, é de liberdade o tema das audiências de custódia, é a liberdade que está em jogo na discussão sobre a possibilidade de cirurgia de alteração de sexo custeada pelo SUS, é a liberdade também que aparece na discussão sobre a liberação do uso da maconha, é igualmente sobre liberdade o tema ligado a poder-se ou não chamar um presidente da República de genocida ou de ladrão. Há várias discussões pendentes sobre liberdade.

A liberdade é mesmo um grande tema e, como visto, está na agenda de quem se diz de esquerda ou de direita, porque, afinal de contas, a liberdade é mesmo importante para o ser humano.

Ironias à parte, sei que o que está por trás das manifestações do dia 7 não tem absolutamente nada a ver com liberdade, ao contrário, tem a ver com opressão. Sob o argumento de se querer proteger liberdades, quer-se, isso sim, mostrar força política a ponto de impedir que instituições sérias e importantes do País, como o Ministério Público, as Polícias e o Poder Judiciário, deixem de fazer aquilo para o qual foram criados, qual seja, manter as condições mínimas para o convívio social, aplicando as leis vigentes no país.

Contudo, para se discutir liberdade é necessário discutir legalidade. O art. 5º, II da CF/88 é enfático ao dizer que ninguém “será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”. É uma ode a liberdade, somos livres para fazer tudo o que a lei não proíba. Trata-se de uma ordem ao Estado para não agir e não intervir nas esferas individuais, é uma ordem de preservação das escolhas existenciais dos indivíduos que, por isso, podem agir com amplo espaço de autonomia.

Entretanto, a autonomia individual tem limite e o limite é a lei. Vejam, é a lei, não a força e nem o arbítrio que impõem limites às liberdades. Somente a lei, que é feita pelos representantes eleitos pelo povo, é que pode limitar a nossa liberdade. Trata-se de uma fórmula fantástica trazida pelos liberais do século XVIII, a liberdade é limitada apenas por leis feitas por nós mesmos.

Uma liberdade sem limites é impossível, pois convivemos em sociedade e os interesses particulares de cada membro dessa sociedade podem ser conflituosos. A liberdade da mãe em abortar entra em conflito com o direito do feto de nascer, e os dois são direitos fundamentais e indispensáveis para a existência humana em coletividade. A liberdade, como qualquer direito, tem limites, basta ver o exemplo do crime de calúnia que é um limite à liberdade de manifestação do pensamento.

Está claro que o que se quer com as manifestações do dia 7 de setembro não é liberdade, quer-se, em nome da liberdade, poder oprimir, poder agir sem estribos e, por isso, falar o que quiser, ameaçar quem quer que seja, atacar a democracia sem que haja instituições ou leis que os impeça. Porém, isso é exatamente o oposto de liberdade, isso se chama opressão.

Só há liberdade mesmo se dermos condições para que os Tribunais possam atuar sem pressão política para agradar quem quer que seja, tendo como único norte a legislação. As instituições precisam ser criticadas, não atacadas.

Para a preservação real das nossas liberdades é necessário ter em mente a lição de Augusto Licks e Humberto Gessinger: “Se no jogo não há juiz, não há jogada fora da lei”.

Temos leis e temos juízes, basta aceitar que o jogo político exige respeito às regras do jogo. Um salve à Independência e um salve à Constituição brasileira.

Flávio Pierobon é advogado e professor universitário em Londrina