Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO: “Esquerdista tem que morrer.”
| Foto: Sergio Lima / AFP

Você pode até comemorar o título, mas discordo. Discordo porque a democracia me obriga a discordar, como também o cristianismo me obriga a discordar, assim como qualquer regra de convivência me obriga a discordar.

A cultura e a sociedade moderna só foram capazes de evoluir de verdade com a emergência da democracia no intuito de domar os extremos. Os ideais fundamentalistas ao extremo ainda carregam o instinto da barbárie mais baixa da humanidade.

Como vemos o Talibã e outros grupos extremistas que governam ainda alguns países fora do Ocidente. Grupos que, em nome da religião e de seus alegados princípios, justificam todas as barbaridades contra seres humanos apenas por ousarem pensar de forma diversa.

A democracia estabelecida ao longo das lutas seculares e do aprendizado com as tragédias, como no caso do nazismo, confirmou-se como espaço de convivência e tolerância a pensamentos diversos e este princípio muitas vezes ainda não é compreendido por muitos, por inacreditável que isso possa parecer.

A tolerância a que a convivência democrática propõe e permite apontar para o saudável exercício da cidadania e das liberdades da manifestação do pensamento, outrossim é a própria democracia que estabelece seus limites, ou então não precisaríamos das leis e regras e a democracia tornaria anarquia e voltaríamos o tempo da luta de todos contra todos, onde o mais forte é que sobrevive. O poder da violência pura e simples.

A conquista e o exercício do poder na democracia pressupõe o próprio compromisso com o poder, que é democrático por excelência. As regras são acordadas no diálogo e no debate com espaços garantidos a todas as correntes de pensamento, excluídas as que não reconhecem essas mesmas regras.

A democracia só não permite, e não pode permitir o ataque a ela mesma. A liberdade de expressão apenas é possível sob a democracia, e é ela seu próprio limite. Não é liberdade de expressão sem configurar crime a calúnia, injúria e outras formas de agressão pessoal. Ameaça de morte também não pode ser considerada simples liberdade de expressão. Quando a linha entre liberdade de expressão e crime parece muito tênue, é adequado que a justiça defina e deixe bem claro a diferença.

É triste quando vemos e ouvimos a frase do título desse texto “Esquerdista tem que morrer” foi a frase de homem, que estava na avenida Paulista em São Paulo, no ato pró-governo deste dia 7 de setembro. O homem portava cartaz em inglês pedindo a morte de Lula e foi questionado por uma repórter de jornal a razão do cartaz, em resposta ele citou a frase.

Esquerdista, direitista, centrista ou o que seja não tem que morrer, pelo menos a democracia não funciona assim. Só vale o debate de ideias, porém as ideias precisam estar dentro de limites, ou como queiram “dentro das quatro linhas da Constituição”. Nossa Constituição estabelece o Estado democrático de Direito, impensável que se use a liberdade de expressão para ameaçar a vida e a própria democracia.

Embora os delírios golpistas ainda andem por aí, não há mais espaço para aventuras autoritárias, a democracia tem o remédio para os próprios males. As instituições hão de tratar os equívocos. Os extremistas hão de compreender, cedo ou tarde, que por mais difícil que lhes possa parecer, a tolerância é o melhor caminho. Saudável é o debate de ideias, só assim caminhamos para buscar a solução dos problemas reais, que aliás não são poucos. Difícil é a arte de governar na democracia, mas com jeito se consegue.

Wilson Francisco Moreira é cientista social em Londrina

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