ESPAÇO ABERTO: Escárnio da história
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sexta-feira, 24 de março de 2023
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos
Tenho medo. Morro na verdade de temor, que algumas notícias vinculadas na imprensa, não alcancem o impacto desejável ou passem despercebidas! Eis uma delas, que me estarreceu há alguns dias! O Governo de São Paulo mudou o nome de uma estação de metrô, de Paulo Freire para Fernão Dias! Preteriram o educador em favor do bandeirante! Alegaram uma pesquisa, cujo resultado, me deixou literalmente sem dormir! Os moradores da vizinhança, segundo o governo de SP, deram 57% de votos a Fernão Dias e 29% a Paulo Freire!
O caçador de índios que morreu voltando para casa, carregado de pedras que acreditava equivocadamente serem esmeraldas, venceu largamente o agraciado com cerca de 48 títulos, entre doutorados honoris causa e outras honrarias de universidades e organizações brasileiras e do exterior. É considerado o brasileiro com mais títulos de doutorados honoris causa e é o escritor da terceira obra mais citada em trabalhos de ciências humanas do mundo: "Pedagogia do oprimido". Eis o perdedor!
O que andamos ensinando nas escolas?
São discutíveis os méritos dos bandeirantes ou sertanistas, alargando o território brasileiro com a bênção da Coroa portuguesa! Buscando índios e pedras preciosas. Lembro apenas o que aprendi a milhares de quilômetros daqui, enquanto estudava história, num país que à luz da democracia relia o colonialismo. Homens rudes, munidos de coletes e armaduras, bem como pistolas, arcabuzes, espingardas, mosquetes, bacamartes, espadas, lanças, bestas, etc, os destacamentos de bandeirantes adentravam as matas brasileiras, integrados por tropas de índios e caboclos, estabelecendo núcleos de povoamento e fazendo guerra.
E continua a história nos elucidando que, quando os holandeses assumiram o comércio dos escravos, os ditos bandeirantes partiram à caça de índios: atacaram as missões jesuíticas durante décadas, capturando indígenas já catequizados e “domesticados” para o trabalho. Foi com essa intenção, a bandeira organizada por dom Francisco de Sousa em 1605 com mais de 270 portugueses para caçar índios! Em 1628, uma grande ofensiva de bandeirantes (mais de novecentos brancos e 3000 índios) expulsa definitivamente os jesuítas e capturam milhares de índios nas missões. Esses são os fatos! Os moradores junto à linha 2 – verde do Metrô, não os conhecem! Na melhor das hipóteses, diria!
Por possibilitar a alfabetização de jovens e adultos em cerca de 40 horas e com baixos custos, o método desenvolvido por Paulo Freire inspirou o Plano Nacional de Alfabetização, que começou a ser encabeçado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) ainda no governo de João Goulart. O que os tais moradores têm a ver com isso? Distraídos, buscando o sustento para a sua sobrevivência diária, talvez não reflitam que os seus pais foram alfabetizados por esse método, com isso despertaram para o direito à greve por condições injustas de trabalho e os seus avós, cerca de seis milhões de alfabetizados, puderam votar pela primeira vez! Está explicado porque em 1964 esse Plano Nacional de Alfabetização foi cancelado! E por decorrência, explicado está, que Paulo Freire tenha perdido para um caçador de índios!
Pobre país que troca as letras pelos arcabuzes! Miserável povo, que ao desconhecer a sua história entrega o seu futuro nas mãos de populistas fãs da barbárie! O pedagogo Paulo Freire precisa ser urgentemente resgatado e os portadores da Bandeira que eliminaram os legítimos e autóctones moradores deste continente, esquecidos!
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina
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