"Madrugada fria" faz crescer a escuridão, esvaindo o sonho e deslembrando medo e morte, enquanto bombas e mísseis cruzam o céu palestino em Gaza – onde inferno não é uma metáfora.

Indo e vindo descontinuamos conquistas civilizatórias, construindo caminhos cruzados que levam aos extremos (do mundo e da vida), enquanto as estradas do século XXI escorrem as interfaces de uma jornada que povoa estrelas no pó do asfalto.

É na aproximação da partida à chegada que mimetizamos ir e vir, enquanto projetamos (no trajeto) o conhecimento que só a viagem espraia por gotas de seu silêncio furioso.

Encantados seguimos na captura de atenção ao compasso de motivos colhidos pelo caminho, feito a mensagem veiculada pelo sistema de som do aeroporto de Amsterdã, onde seus controladores anunciaram a bad-trip civilizatória que asseverou um lado errado da história, no imposto pago pelo cidadão holandês enquanto contributo para o genocídio em Gaza.

A crítica do sistema de som do aeroporto está fundada no comércio de armas entre Holanda e Israel, suposto que a beligerância genocida do governo israelita se escora em armamentos comprados por não consciências que convivem com o cancelamento de crianças e mães palestinas.

Essa tragédia humanitária está na conta do governo de extrema direita de Israel, que insiste em não aprender com o passado, mimetizando sionistas alemães que, em plena efervescência da república de Weimar, optaram por uma política de neutralidade à ascensão nazista, acreditando que a hostilidade antissemita seria tão lógica como sua própria recusa em se integrarem à sociedade germânica (cf. Lenni BRENNER, 1983, in Zionism in the Age of the Dictators, Londres e Canberra: Croom Helm, Westport: Lawrence Hill, 29-32).

Emigrar para a Palestina pareceu mais sedutor que combater o antissemitismo alemão.

Bem por isso sionistas alemães julgaram que a ascensão de Hitler seria boa para os judeus, naquilo que comprometeria os chamados assimilacionistas – judeus que naturalizavam a assimilação cultural do país onde nasciam e viviam (cf. Lenni BRENNER, 1983, 59-61).

Hoje, historiadores (Finkelstein; Balthase) judeus criticam a miséria humanitária que abraça Gaza enquanto o mundo segue assistindo corpos de crianças serem desovados em valas comuns.

Nessa medida, criticar o governo de Israel pelo massacre de palestinos na faixa de Gaza jamais pode ser interpretado enquanto ação antissemita – a não ser por celerados ávidos por um diversionismo histórico para chamar de seu...

Nessa medida, quando Lula faz sua fala histórica que aviva a memória do Holocausto ao tempo em que condena o genocídio dos palestinos na faixa de Gaza, o baixo clero do centro político tupiniquim ensaia uma grita interesseira, no escopo de se apropriar do que o presidente não disse, querendo colar na fala histórica um antissemitismo de mentira.

Nem a maior tragédia humanitária do século XXI freou a urgência do centro político em estabelecer em contraponto uma narrativa de conveniência, mimetizando no sofrimento palestino um interesse político pontual.

Judas e suas trinta moedas não foi tão pequeno, ainda que tenha, tanto quanto, sido mundano – afinal, as Quimeras são para sempre...

Não sou ingênuo a ponto de acreditar em um mínimo ético verberando pelo Congresso – desculpe Paulo, mas distraídos perderemos.

Perdemos e perdidos estamos desde dezembro de 1948, quando Hanna Arendt e Albert Einstein (dentre tantos outros) publicaram a histórica carta aos editores do The New York Times, desenhando a emergência do Tnuat Haherut, enquanto partido político no então incipiente estado de Israel:

“Entre os mais perturbadores fenômenos políticos de nossos tempos está a emergência do ‘Partido da Liberdade’ (Tnuat Haherut), um partido político muito próximo em organização, métodos, filosofia política e apelo social aos partidos Nazistas e Fascistas. Ele foi formado a partir dos membros e seguidores do extinto Irgun Zvai Leumi, uma organização terrorista, conservadora e chauvinista na Palestina”.

O alerta foi dado e o mundo fez o que? Seguiu pagando impostos...

Aqui e agora Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou, descortinando o mesmo ideário e espírito da carta de 1948, enquanto vários picaretas com anéis de doutor se apressam na apropriação da fala histórica do maior estadista vivo, dando-lhe roupagem diversa, na tentativa de colmatar uma narrativa política.

A história, como dito no sistema de som do aeroporto de Amsterdam, terá sempre um lado errado. Em 1948 essa banda podre alinhou os que optaram por negociar com a natureza perversa das coisas, afagando a tragédia dentro da tragédia. Isso estabeleceu a extrema direita em Israel.

Hoje o lado errado da história alinha políticos de direita que, por aqui, buscam se apropriar da fala humanitária de Lula, criando em contraponto uma narrativa antissemita de mentira.

Tanto em lá em 1948 quanto agora em 2024, o elemento comum segue sendo a banalização do mal. Palestina forever!

Tristes trópicos. Saudade Pai.

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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