Há festa no céu à custa de muitas lágrimas na terra. O encontro dos que precocemente partiram sem despedida, com os heróis de outras eras. Solange, Carlos, Eunice, João, Antônio, Ermelinda, Valquíria, Taylor, André, Maria, Chico. Uma amostra dos quase 400 mil. Não são números. São sorrisos que se apagaram. Gente como a gente; histórias tão lindas quanto reais; famílias despedaçadas pela dor da saudade. Ei-los no etéreo céu, onde nenhum inimigo, incluindo a morte, os poderá jamais atingir! A fugacidade da existência humana nunca foi tão palpável como hoje! Cometas que em forma de relâmpago cruzam o horizonte num espetáculo noturno estonteante e assustador. Pessoas que não vieram a esta vida a passeio. Tudo tão rápido. Tão incompleto. Gavetas que não se fecharam. Beijos que não se deram. Abraços que não se concretizaram. A alegria é celeste, no início de uma vida sem fim. A tristeza é terrestre, com buracos emocionais que ninguém ou nada poderão fechar.

Nós que ficamos olhamos perplexos o rastro indelével e inapagável dos que partiram. Muitos deles choraram também copiosamente sobre os que sepultavam apressadamente. Nesta procissão a perder de vista, em que o Brasil inteiro e sem exceção, se alonga pesarosamente, é necessário enterrar os mortos, mas é imprescindível cuidar dos vivos. A frase atribuída ao Marquês de Pombal após o terramoto de Lisboa em 1755 é atual. Não existe nenhuma fatalidade a considerar e muito menos qualquer visão equivocada de religião, que atribua a Deus castigo sobre os pobres mortais! Estamos levando à sepultura, inúmeros entes queridos, para os quais sua hora ainda não tinha chegado! Como bem refere o neurocientista Miguel Nicolelis, três em cada cinco brasileiros não precisariam ter morrido! Torna-se, portanto, imperativo evitar que isso continue acontecendo. Os mortos nos cobram. Os vivos que somos, não queremos morrer!

Exige-se, por conseguinte, que o Estado cumpra a sua função primordial: cuidar dos cidadãos. Em épocas de pandemia, as inaugurações geralmente espalhafatosas, de estradas, pontes e escolas, devem dar lugar a auxílios emergenciais dignos, pelo tempo que for necessário; ao planejamento rigoroso e bélico, das vacinas, medicamentos, insumos hospitalares e recursos humanos. Um Estado que não tenha receio de se endividar para salvar vidas.

A contraposição de vida e economia, um dilema equivocado desde o início, deu origem às falências que agora lamentamos. Quem não salva vidas, jamais evitará o caos econômico. Tivessem sido inteligentes, programados e sincronizados, os lockdowns, teríamos menos mortos e bem menos falências. A inflação sem o aumento de consumo é extremamente perigosa e não tem alta de juros que a iniba. É estagflação! Um orçamento que não coíba uma explosão de gastos públicos, conspira contra tudo que é razoável numa situação de calamidade que se precipitou sobre o país. Sem nenhum eufemismo, vivemos uma guerra! E em tempos assim, conhecem-se os verdadeiros comandantes dignos desse nome. Chefes não sobreviverão. Líderes sim! Um ano após, o Brasil paga uma alta fatura, pela descoordenação, negacionismo e ausência de poder central.

O vírus da Covid 19 encontrou neste pobre país de 2020-21, o terreno fértil para o seu avanço e as suas mutações! Ao enterrarmos as vítimas desta tragédia previamente anunciada, denunciemos as causas desta mortandade precoce e corramos atrás do que ainda podemos salvar! Joelhos no chão, mãos lavadas, máscara no rosto e disciplina férrea no isolamento social.

A busca da responsabilização dos protagonistas fúnebres deste horror, através da CPI do Senado, é justa, legítima e oportuna. Um país deve estar em constante atenção e avaliação, através das Instituições competentes. O Congresso tem também essa função. Que assistamos a uma investigação profícua e benfazeja para o Brasil e não a um palanque de shows estéreis e politiqueiros.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos - Arquidiocese Londrina