O mundo suspendeu a respiração, num suspense cinematográfico, aguardando o desfecho do acidente com o submersível, que acabou implodindo no fundo do mar, em visita “turística” ao desventurado Titanic. Não. Não é uma hipérbole! Os meios de comunicação mundial deram a este fato a atenção geralmente atribuída a grandes eventos planetários!

No mundo ocidental, principalmente, a torcida pelo sucesso da busca e o happy end da expedição era de uma conotação familiar impressionante. “Somos todos Titan”, poder-se-ia intuir, usando a expressão de solidariedade, às vítimas de infortúnios vários.

Foi uma tragédia, não há dúvida. Mas caro leitor! Vamos aos fatos. Trata-se de uma incursão turística ao navio do maior naufrágio da atualidade (14 de Abril de 1912, na sua viagem inaugural), cujos restos, repousam a 3500 metros de profundidade no Atlântico Norte entre o Canadá e a Europa. Uma viagem ao custo de 250 mil dólares (cerca de um milhão e duzentos mil reais). Ali estavam quatro bilionários aventureiros, no pleno sentido do termo. Era o ápice do mórbido! Uma gastança para lembrar uma das maiores tragédias náuticas! 1503 pessoas! O mundo parou! As marinhas dos Estados Unidos, Canadá e até embarcações de outros países vieram de longe para ajudar.

Onde está a distorção cognitiva?

Os seres humanos da nossa época são perdulários em esbanjar emoções e sentimentos, interpretando determinadas situações, causando um sofrimento desnecessário, em detrimento de outros acontecimentos mais significativos. Senão vejamos. Dia 16 passado, cerca de 750 homens, mulheres e crianças estavam no barco lotado quando ele virou, tornando-se uma das piores tragédias no Mar Mediterrâneo, de acordo com o Comissário da UE para o Assuntos Internos Ylva Johansson.

Hoje sabe-se, que foram 350 paquistaneses, homens, mulheres e crianças. Aliás, o “mar nostrum” como o chamavam os Romanos, está longe de sê-lo para milhares de migrantes e refugiados, que elegem a Europa como salvação da fome e da guerra. Em dez anos este Mar tornou-se no cemitério para cerca de 26 mil mortos!

O impacto emocional é quase zero! Uma excepção! O papa Francisco, que também numa década de pontificado, não ficou um dia sequer sem lembrar esses pobres, cujo único “pecado” foi fazer o mesmo que durante séculos, os que agora não os recebem, fizeram! Sim! Dando uma olhada superficial por São Paulo, Rio Janeiro, Buenos Aires ou Caracas,para não mencionar a América do Norte, veremos como os sobrenomes não me deixam mentir!

Distorção cognitiva é fuga. É covardia. É eleger vítimas. É selecionar os que nos roubam lágrimas! Pobres homens ricos que ficaram no fundo do mar! Contudo, enquanto as guardas costeiras da Itália, Espanha, Grécia continuarem provocando naufrágios e mortes daqueles que não fazem turismo, mas buscam apenas viver, a esquizofrenia do mundo tem que ser denunciada.

Palavras do papa há poucos dias: “Vendo Cristo presente em tantos desesperados que fogem de conflitos e alterações climáticas, é preciso enfrentar o problema do acolhimento sem desculpas e sem demora. Vamos enfrentá-lo juntos, porque as consequências se repercutem sobre todos”. Francisco não se conforma com o indiferentismo dos que dizem defender valores “humanos e cristãos”, alicerce da Europa! Já chegou a chamar este continente de “anciã estéril”! As tragédias que ocorrem no Mediterrâneo dizem mais sobre os europeus do que sobre quem afunda!

Visitar o Titanic não é o mesmo que subir ao Everest, ou ficar pasmado e abismado perante as Cataratas do Iguaçu. Enquanto o ser humano tiver fetiche com mortes e desastres (lembro-me da exposição e consumo de fotos do cadáver da Marília Mendonça, por exemplo), os sofás dos terapeutas desta civilização doente não ficarão ociosos. Estamos cognitiva e afetivamente perturbados e necessitamos urgente passar a limpo as nossas emoções e sentimentos. O modo como nos relacionamos e como olhamos o “outro”, vivo ou morto!

Pessoalmente, não julgo o modo como gente abastada gasta o seu dinheiro, mas a humanidade como uma família, clama que haja critérios mais adequados para essa gastança.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese Londrina

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