Leio, em todo lugar, que um despossuído de sentimentos invadiu uma creche em Blumenau (SC) e matou quatro crianças – a golpe de machadinha, ao que me pareceu da matéria que não consegui ler até o final.

A notícia me atordoou e atordoado estou, desde então. Mas vou tentar vencer o sentimento que me invade escrevendo aqui a dor que grita em mim. De início constato que não convivíamos com essa cultura de ódio e violência. Ela é recentíssima (veio após o golpe de 2016) e o seu custo se reflete na multiplicação de tragédias de ódio e violência – que desfilam de peito aberto em plena avenida, como se parte da paisagem fossem.

Estamos pingando ódio e suando violência – ou seria o contrário?

Deveras, se não fizermos um grandioso mea culpa agora, temo que o desfile nas avenidas ganhará locais ainda mais vulneráveis e cobrará a conta do capiroto na bacia das almas que se desgarram quando o neoliberalismo apresentou sua fatura virtual, sempre em cotas de ódio e violência, na tentativa de salvar o capital privado...

Qual a relação entre um celerado que invade uma creche em Blumenau e o sistema capitalista? – alardearão os afoitos que não aprenderam a ler as entrelinhas do contrato social.

O fascismo, para além de suas características intrínsecas, não é senão uma ‘margem necessária’ de manobra capitalista, naquilo que cada crise da exploração do capital encaminhou (historicamente) o fascismo enquanto resposta.

Ou vocês pensam que a Itália de Mussolini ia, social e economicamente, de vento em popa quando il duce trouxe o ódio de classes e a violência social sobre as rodas de seu hábito motociclístico?

Em seu primeiro momento (entre 1922 e 1924) Mussolini encenou um governo de conciliação ao poder real de Vítor Emanuel Terceiro, pelo viés de um law profile estético que desagradou o dono do meio de produção, representado politicamente pelo partido nacional fascista (PNF), ansiosos pela instauração de uma ditadura que lhes aumentasse privilégios e afastasse os ideologicamente divergentes.

Do ensaio para inglês ver ao modelo que preparava, aos poucos Mussolini foi dando forma e vida ao ódio que aprumava a violência. Tanto que em 1923 transformou sua milícia fascista em milícia voluntária de ‘segurança nacional’.

O golpe estava posto. O aparato ilegal desenhado no ódio que encaminha a violência se viu, por decreto do duce, da noite para o dia, coligido em uma milícia (seguiu, assim, investido no ódio e na violência) voluntária de ‘segurança nacional’.

Foi assim, por decreto, que Mussolini fez do ódio e da violência aparatos de segurança do estado. Essa manobra instituiu a vertente fascista no poder, de fato, suposto que transformou adversários ideológicos (comunistas) em inimigos do estado.

Em ligeira digressão histórica, lembro que o crescimento do socialismo na Europa resultou da Revolução Russa (1917). A socialização das estepes implementou o crescimento dos partidos socialistas em Europa. Neste contexto a Itália viu o sindicalismo e os movimentos de trabalhadores se multiplicarem.

Essa conjuntura potencializou o crescimento da quantidade de cadeiras que os socialistas conquistaram no Parlamento – de 79 antes da guerra (1913) para 156 após a guerra (1919), evidenciando perda de representatividade dos liberais italianos.

Some-se a isso as consequências do pós-guerra Europeu, que cobrou severo desencontro econômico ao continente, trazendo de fome à falta de empregos, compondo o painel que acomodou e chocou o ovo da serpente.

O ódio, assim, se fez herança pelo declínio econômico de Itália, oportunizando a instauração da violência de grupos paramilitares tutelados e preparados pelo estado contra seus adversários (transformados em inimigos) ideológicos – os squadristi (grupos paramilitares fascistas) todavia, não acampavam em quarteis pedindo a instauração de uma ditadura...

Qualquer semelhança com o Brasil de 2016 para cá não seria mera coincidência, já que o método fascista de culto à personalidade (mito), crença em um destino glorioso (brasil acima dos outros), rejeição do ideário iluminista (terraplanismo e obscurantismo anti vacina), nacionalismo exacerbado (militarização do estado), criação de inimigos internos (é preciso afastar o PT), crença na supremacia racial (a questão do negro não é senão um mimimi), militarização da sociedade (proliferação das armas com civis), desprezo pela democracia liberal (negacionismo tecnológico que desacredita a segurança das urnas eletrônicas), ódio ao socialismo (isso aqui se transformará em uma Venezuela), elevou a temperatura e estabeleceu a era da violência entre nós.

Padres católicos malformados e pastores neopentecostais apegados ao ganho fácil (com o perdão do pleonasmo) abasteceram essa miséria existencial como tábua de salvação de alma (afinal o governo social do PT era a ameaça a ser vencida) e abraçaram o totalitarismo que desencadeou no ódio que alimenta a violência.

O que passou em Blumenau não é senão a conta da miséria que o ‘capirito’ esparramou – lembro que desandaram o lugar de Deus (no meio de nós), alocando o Pai acima de seus filhos.

O ódio que gera violência é ínsito a todo bom moço que, de qualquer forma, contribuiu com os discursos malévolos em detrimento das minorias. Blumenau pode ser a ponta de um iceberg existencialista que reflita o momento em que nós nos afastamos do Criador, abraçando o descaminho da criatura – com o apoio das igrejas.

Tristes trópicos, onde o fascismo construiu uma escada para o inferno!

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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