O título pode-nos guiar para caminhos, que não são a intenção do artigo. Embora, como já mencionei aqui, tenha aumentado vertiginosamente o número dos “sem religião”, principalmente entre os jovens, não viso abordar questões numéricas, sempre passíveis de várias interpretações. A maioria absoluta dos terráqueos é religiosa, com certeza! No pleno sentido do termo! Em 2017, 2.18 bilhões se diziam cristãos. Os islâmicos, a religião que mais cresce no mundo, já são cerca de 25% da população mundial. O hinduísmo com cerca de 900 milhões de adeptos. Enfim, o mundo não eliminou a religião, como alguém poderia supor nos séculos anteriores! Padres, pastores e ministros religiosos em geral, não morrem de tédio! Mas, repito, não é disso que desejo falar.

A religião decadente, é a que não cumpre o seu papel primordial, geralmente inscrito na intenção de quem a fundou ou inspirou. E pela hermenêutica que estudei sobre as religiões, todas coincidem no essencial! Isso é fascinante! E é tão intrigante também, porquanto a maior parte das guerras ao longo da história tenham sido por motivos “religiosos”!

Todas, sem exceção, parecem ter investido no secundário, em detrimento do essencial! Leia-se: o proselitismo, que como bem fala o papa Francisco é uma caricatura da evangelização, motivou perseguições e condenações prévias à fogueira, ou alimentou “guerras santas”! O mais terrível e perverso equívoco que acometeu líderes religiosos e gurus espirituais foi a convicção de que ao “seu Deus” lhe aprazia trazer inimigos para o seu reduto! Isso foi feito não somente com cristãos convertendo índios à força, mas com os islâmicos avançando sobre infiéis dos séculos VII a XIII na Europa! Referindo-me apenas ao que conheço.

Decadente também, ao investir enormes cifras em construções faraónicas. A Igreja católica fez isso ao longo de séculos, numa visão totalmente equivocada, ao confundir o teocentrismo típico da época, com o aprisionamento de Deus em lugares especiais, geralmente escuros, insalubres e com torres maiores que as outras construções! Quem percorre a Espanha de ponta a ponta, como eu o fiz a pé em 2016, vê essa paisagem medieval com aldeias desertas e a torre da igreja sediando um enorme ninho de cegonhas!

Não passa desapercebido o episódio de Jesus com a samaritana, no poço de Jacó (Jo 4,1-29): “Mulher, acredita-me: vem a hora em que nem nesta montanha, nem em Jerusalém adorareis o Pai. (...) mas vem a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade. Estes são os adoradores que o Pai procura. Deus é Espírito, e os que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade”.

A detenção de Deus e a institucionalização da religião, não fazia parte do discurso de Jesus e pelo menos no que diz respeito à Igreja Católica, Francisco tem trabalhado com todas as forças nessa desburocratização e desclericalização. “Uma Igreja que não estiver em saída, torna-se uma associação espiritual. Uma multinacional para lançar iniciativas e mensagens de conteúdo ético-religioso. Nada de mal, mas não é a Igreja. Este é um risco de qualquer organização estática dentro da Igreja. Termina-se por domesticar Cristo. Não se dá mais testemunho da ação de Cristo, mas fala-se de uma certa ideia de Cristo”, são suas as palavras.

Decadente ainda, quando endossa discursos politiqueiros de ódio e violência, rasgando as páginas sagrados, para trilhar um caminho contraditório ao seu escopo original. A religião é oposição. Não ao progresso, nem à ciência e muito menos aos sonhos legítimos do ser humano! Ela deve refutar, sim, modelos de sociedade autofágicos e geradores de morte e se posicionar como sentinela permanente defendendo os interesses dos mais fracos e abrindo portas aos perdidos.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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