Sabemos que a escolha não era fácil, contudo havia a razoabilidade passível de ser aplicada a tamanho imbróglio que os argentinos geraram nas últimas décadas. Mas eles não botaram mão desse último recurso! Optaram pelo engodo da extrema direita, personificado no economista Javier Milei.

Suas ideias, camufladas numa linguagem eleitoreira dos últimos dias da campanha eleitoral, não escondem a vala comum de todos da sua laia mundo afora. Quem escuta Trump nos EUA, André Ventura em Portugal ou Santiago Abascal na Espanha, entre outros, reconhece pelo fedor, a derrocada civilizatória que eles representam.

Mas, os argentinos desejaram ser o Brasil de ontem! Talvez o consigam! Ou não, se o Congresso for minimamente vigilante. O fenômeno argentino aponta para um horizonte mais amplo. A democracia padece, nestes tempos, de uma fragilidade incrível, que lhe advém em última análise, da própria crise que o capitalismo atravessa. O sistema, exaurido, mostra-se incapaz de enfrentar as principais questões da humanidade e tem proporcionado um show de horrores, aprofundando a desigualdade social, levando as mudanças climáticas a um ponto de inflexão e aderindo nitidamente a uma ideologia belicista que privilegia o armamento em detrimento da paz mundial!

Não constitui falso alarme dizer que o capitalismo do século XXI depõe claramente contra a sobrevivência da própria humanidade! Por óbvio que a alternativa não será nenhuma ideologia que tradicionalmente se lhe opôs! Porém, a descoberta de um sistema humanista, que coloque o ser humano no topo das prioridades, é a tarefa mais urgente que hoje se coloca! O papa Francisco com o seu modelo de “economia solidária”, a chamada “economia de Francisco”, é algo a se levar a sério!

Basta olharmos alguns números para nos estarrecermos: 1% dos mais ricos do mundo poluem mais do que os 60% mais pobres. Estes demorariam 1500 anos para poluírem tanto como os atuais ricos! Detalhe: São os 60% mais pobres os mais atingidos pelas mudanças climáticas! Será esta talvez a maior injustiça mundial! É o reflexo de um capitalismo mórbido, cínico e falido!

Os argentinos ensaiam dançar o tango sobre o palco de uma democracia corroída por políticos aventureiros e corruptos. Os passos dessa dança se assemelham a uma procissão fúnebre inebriada pela euforia dos que se livram de um cadáver fétido! A experiência do século passado nos ensina que esta não é a alternativa a políticos malvados ou políticas perversas!

A extrema direita cresce sobre os escombros do desânimo e da frustração e oferece a mais pérfida ilusão, de um novo que já nasceu velho. A euforia que se apresenta sobre privatizações e cortes nos gastos sociais revela nada mais do que a face alienada dos que apostam na meritocracia num terreno minado por injustiças sociais históricas. Mais injusto do que isto, impossível!

Nenhum país alcançará paz social sem contemplar o resgate histórico dos que nunca tiveram isonomia nas oportunidades. A Igreja Católica, já acusada de ser comunista, desenvolveu a partir do papa Leão XIII, no final do século XIX, a chamada Doutrina Social alicerçada no Evangelho. O papa S. João Paulo II foi o que mais desenvolveu esta temática em três Encíclicas. Os papas se insurgiram contra uma sociedade que jogava para a sarjeta “os filhos que não cabiam no berço”!

Javier Milei tem uma tarefa gigante pela frente: retroceder em quase tudo que prometeu! Embora seja estelionato eleitoral, quem sabe seja bom para a Argentina!

Padre Manuel Joaquim R dos Santos, Arquidiocese de londrina

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