ESPAÇO ABERTO: Célia Musilli
Tristes trópicos, onde um possível contraponto crítico desborda em ofensa gratuita em favor da censura
PUBLICAÇÃO
sexta-feira, 22 de março de 2024
Tristes trópicos, onde um possível contraponto crítico desborda em ofensa gratuita em favor da censura
João dos Santos Gomes Filho
É editora de cultura na Folha de Londrina. Gosto (e muito) do caderno que ela edita, principalmente porque cultura me parece o nome que a vida dá ao descobrimento da magia no seio das relações – assim, existir segue mimetizando a própria vida, sem espaço para narrativas de ocasião e fake news.
Passou que, enquanto jornalista, Musilli criticou (com o savoir faire de costume) uma descabida medida do governo paranaense, consistente no recolhimento do livro "O Avesso da Pele", de Jéferson Tenório, de suas grades educativas.
A obra encerra necessário e inafastável contraponto ao racismo estrutural que grassa em nossa sociedade, naquilo que conta a história do assassinato de um homem negro em uma abordagem policial desastrada em Porto Alegre e, só essa circunstância, a recomenda e lhe cola uma urgência cidadã que fala por si.
Pegou que crítica profissional de Musilli, tirada nos limites de seu caráter humanista, gerou uma resposta deselegante e agressiva de parte da presidenta mulher de um partido de direita de Londrina, que gravou um vídeo no tik tok, se referindo a Célia enquanto pseudo jornalista, além de chamar de ‘rasa’ sua crítica à medida do governo, considerando a sua motivação ideológica.
Musilli não merecia isso. A tal presidenta mulher do tal partido de direita de Londrina, se argumentos tivesse para contrapor a fala de Célia, deveria apresentá-los, até para fomentar um debate. Em lugar disso preferiu ser deselegante e agressiva com a jornalista – que personifica a própria elegância e delicadeza.
Creio que a senhora que está presidenta do partido de direita de Londrina perdeu excelente oportunidade de trazer luz ao debate. Bastava possuir argumentos que, via de regra, vem com o conhecimento e este não brota em árvores, tampouco se vende em farmácias – ainda que, por vezes, se encontre em botecos e em sebos, onde a urgência da vida abriga o desenrolar da história.
Célia é jornalista de formação e até seu sangue conta sua história. Está na estrada há bastante tempo (apesar de ainda jovem) e a sororidade que lhe negou a tal presidenta do tal partido de direita de Londrina não deve ser desconsiderada pelas mulheres, na medida em que, se para defender o governo de um homem, uma mulher precisa atacar outra mulher, imagino o que faria a cidadã para se eleger a qualquer cargo eletivo.
Noves fora e na medida em que o Rato que Ruge sempre será um de meus filmes favoritos, venho aqui hipotecar toda a minha solidariedade a Célia, a quem oferto um abraço amigo e carinhoso. Tanto quanto gostaria de agradecê-la pela excelência de sua atuação profissional, pródiga em colar na Folha de Londrina um fabuloso caderno cultural.
Tristes trópicos, onde um possível contraponto crítico desborda em ofensa gratuita em favor da censura, alimentando redes sociais e projetando um país onde a leitura é cada vez mais uma quimera e o ódio a herança dos que não sabem respeitar.
Somos Musilli.
Saudade Pai.
João dos Santos Gomes Filho, advogado
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