As despedidas muitas vezes são difíceis, principalmente quando queremos prolongar o momento do encontro com pessoas queridas. Apelamos para beijos, abraços, apertos de mão, palavras e frases que demonstrem sentimentos de afeto, mas nada parece suficiente. Dizemos até frases bobas nessas horas, como a informal expressão: “Apareça lá em casa!”

A primeira nebulosa dessa frase é o verbo aparecer. Aparecer significa mostrar-se, revelar-se, tornar-se visível. Aparições se referem a santos e anjos, seres acompanhados de uma aura de bondade, nas religiões cristãs. No folclore, são seres criados pelo imaginário popular, como os nossos Saci-pererê, Mula sem Cabeça, peraltas ou assustadores.

Na mitologia, igualmente, aparecem deuses e semideuses com poderes divinos e defeitos humanos, surgindo e intervindo na vida de nossos antepassados. E, modernamente - não podemos deixar de lado - temos as aparições não comprovadas de ovnis e seres extraterrestres. Tudo cercado de mistérios e forças. Portanto, convidar um sujeito para aparecer é sugerir, estupidamente, que ele comprove poderes especiais e se materialize à nossa porta.

A outra parte da questão é justamente a casa, propriamente dita. O amigo teria nosso atual endereço? Desde quando ele não toma um copo à nossa mesa? Nascemos e vivemos na mesma casa? Não mudamos de domicílio? Quem anda com cartões de visita para distribuir nas despedidas? Dizemos “anota aí meu endereço”? “Apareça lá em casa” parece uma forma velada – e consciente – de nos desembaraçarmos de futuro encontro.

Desatenção é próprio das relações humanas. Mestres na arte de improvisar, por vezes nos convencemos de nossa própria clareza. “Aquele cara é boa praça, pena que não sobre tempo pra gente se frequentar! Desse mês não passa!! Vou chamar a turma antiga para vir aqui em casa”. Tudo vago, sem objetividade. Pior, sem seriedade. O brasileiro é conhecido por sua informalidade, desleixo. Uma célebre frase, atribuída a De Gaulle, mas que fora dita por um diplomata, nos rotulou de forma negativa: O Brasil não é um país sério!!!!”. E não é uma verdade?

Há os que acreditam - ou precisam acreditar - em convites feitos sem muita precisão. E aparecem mesmo. Era o que acontecia na casa de Miguel. Simpático como poucos, sua casa vivia cheia. Depois de um copo no clube já anunciava: “Pessoal faço churrasco todo fim de semana, apareçam lá em casa!” E para desespero de sua esposa, apareciam de fato, obrigando a correria e improvisações.

Nada melhor do que combinar visitas. Para se ter tempo de trocar o pijama por bermuda e camiseta, colocar cerveja para gelar, dar uma ajeitada nas almofadas espalhadas pela sala, enfim, preparar-se. Nos países mais civilizados é assim que funciona, em nome da boa educação e da preservação da privacidade.

Se há sinceridade e desejo real de novo encontro, melhor substituir o convite por outro, igualmente informal, é claro. “Vamos nos encontrar lá em casa, anote aí meu endereço, venha mesmo, telefone antes ...” A não ser que se queira a garantia de não ver o referido sujeito tão cedo. Se não há pressa, existem outros recursos para despedidas, sem pressionar o próximo encontro. “Apareça lá em casa” é um convite fraco e duvidoso. Não será mais fácil encerrar dizendo apenas um simples tchau e deixar por isso mesmo?

Orides Navarro Gordan, formada em Letras pela UFPR, com especialidade em Literatura pela UEL

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