Não gosto de escrever sobre o tempo passado, como se a lamúria fugidia do envelhecimento resgatasse o bom da vida. Gosto, sim, lembra-lo a tempo (e o faço todo o tempo) de não o esquecer – aliás e à propósito, muito do que escrevo conta o que vivi e, vivendo, aflorou o homem que sou.

Venho esquecendo (todavia) muita coisa e, nessa medida, o tempo desenha um fenômeno redivivo em minha resiliência existencial, apartando o menino de ontem do homem de hoje – aquele segue um sonhador, este um vivente apaixonado e sem paciência para bobagens engarrafadas em brilhos de aluguel...

Parece pouco aos olhos apressados. Basta, todavia, olhar além das dificuldades mundanas (de consumo) para entender que existir combina com pulverizar anseios pretéritos em arrimos de bem viver, destes que a vida, por vezes, realiza a nosso favor.

É, pois, do epicentro dessa encruzilhada temporal que o destino me bate à porta indagando à altura: Como viveu as angústias? Sonhou? Realizou sonhos? Amou em profusão?

Não são questões fáceis – antes o contrário; emergem da dificuldade de bem viver, refletidas em nossa época de redes sociais que catapultam o consumo já exacerbado, cujo último abraço lançou no espaço as ondas do mar de angústia sugerido na velocidade de nosso equívoco.

Há muito tempo venho destacando que nosso tempo é de ter e não de ser – e essa é a mãe de nossa tragédia existencial, onde projetar angústias é pleonasmo de existir, naquilo que a vida alberga, dentre tantas virtudes, uma tantada de vicissitudes.

Angustiar, pois, remete apressar as expectativas encimadas no ideário de sucesso que existir conjuga, naquilo que perdemos nossa identidade no multiverso quando plasmamos um ideário de epílogos épicos, daqueles que compõe um ‘marketplace’ digital sobre as possibilidades de interação social verdadeiras e, ao final, cobra dos viventes a libra de carne exangue.

Nesse passo, cada vez menos nos incomodamos com o que poderia ter sido uma verdadeira Mata Atlântica e normalizamos o que (hoje) não é senão a ‘floresta de nosso alheamento’, suposto que o abandono dos cuidados com a natureza pavimentou nosso inferno privado, onde proliferam pablos e marçais, ao tempo em que rareiam Marias e Clarices.

De consequência, a linguagem de nossos dias não atende à demanda dos ativistas que campeiam mundo afora em polo de convívio com o abandono de Gaza, onde o genocídio estabelecido há mais de meio século segue rodando no modo ‘uso político’...

Demais disso e embargo econômico após embargo econômico, seguimos em equívoco, destilando uma distância secular entre nós, para gaudio mercadológico de tio san.

A vida que dá é a vida que tira, naquilo que o agro que seria pop (é isso mesmo nizan?) assiste o país arder as queimadas potencializadas pelo descalabro climático instaurado no exacerbo da produção que aponta para uma ponte (para o futuro?) ligando desilusão à extinção!

Assim, questionado pela vida, desperto no limite das inquietações que o entardecer represa, deixando sem resposta o arcabouço de circunstâncias que a marcha dos dias reclama.

Sigo o aprumo de meus desarranjos, ao tempo em que projeto uma sanidade mínima nos galopes forjados em devaneios que assaltam a brevidade das relações líquidas de nossos dias, onde tudo é para ontem, nada é para agora ou (heresia) amanhã.

Há uma pressa contida nas pessoas que alimenta o desandar da paciência, em tempo de sequestrar ausências e caracterizar o transbordo do convívio no entorno das frivolidades de uma ciranda de ilusões sobre as quais se projeta nossa cisma.

O homem do século XXI não é senão o prisioneiro social das redes de relacionamento que a preguiça ensimesmada enviesou no altar das convicções do capital, para desapego de manhãs mal dormidas.

Deixamos de ser para estar. Com pompa e circunstância edificamos limites comerciais nas relações, abandonando à sombra das árvores derrubadas o sentimento e a ilusão, enquanto o modelo virtual marca o ritmo fugidio das espirais de fantasia.

Cada vez menos importa o outro e suas circunstâncias. E essa é a ‘playlist’ de nossa desilusão.

Tristes trópicos onde a banda não toca para ela, ainda que ela siga feia e na janela...

Saudade Pai, você ensinou que a queimada dos campos é tão inútil quanto presunçosa, naquilo que investe contra a vida, cobrando sua libra de carne de pequenos animais e árvores em desespero.

João dos Santos Gomes Filho, advogado