ESPAÇO ABERTO: A velhice e a juventude
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sábado, 06 de julho de 2024

Tenho escrito bastante sobre a ancianidade, nomeadamente na Igreja para padres e bispos, e a necessidade de estarmos preparados, a fim de poder vivenciá-la com coragem e paz. Sei que não é fácil. Todos temos idosos na família e sabemos das caraterísticas inerentes a essa fase da vida. Não é, porém, aqui o espaço para um tratado sobre geriatria. Deixo isso, para meu amigo dr. Marcos Cabreira.
Nestes dias, contudo, o mundo, que já vem arrastando o bom senso pelas ruas da amargura, pelo menos desde a virada do milênio, discute com veemência se Joe Biden é muito velho para concorrer às eleições americanas, ou se Jordan Bardella é jovem demais para assumir como primeiro ministro da França.
Os dois casos nos remetem para a mesma esfera de reflexão. No primeiro, é gritante a ausência de alternativas mais jovens, capazes de derrotar Trump, o mentiroso contumaz, descarado e inconsequente, que poria, não só a democracia dos EUA em risco, mas o próprio planeta, comandando a segunda potência nuclear. O seu primeiro mandato foi suficiente para conhecermos as loucuras de que é capaz! Ora, Biden apresentou no debate do dia 26 último limitações evidentes que o põem em causa, quando o assunto é assumir a presidência numa eventual segunda vez. 72% dos americanos reclamam a sua substituição.
A velhice não é nenhum problema. A Bíblia trata os idosos como sábios, a escutar e a respeitar. Não existe “descarte de velhos” na Palavra! O Conselho dos Anciãos, tanto no Antigo como no Novo Testamento, é uma instância superior de assessoria para quem detém o poder. Mas, a ciência moderna nos diz que as limitações advindas da idade avançada são inexoráveis e que, embora não diminuam em nada a pessoa humana enrugada, podem interferir na capacidade de analisar a realidade ou de tomar decisões.
Por conseguinte, ter a humildade de se reconhecer limitado e passar o bastão é de uma nobreza extraordinária, sempre reconhecida na história como “profunda sabedoria”! Biden deveria trilhar esse caminho. O penúltimo papa renunciou e este já demonstrou abertura a tal. O país e o mundo lhe agradeceriam. A sua história pessoal, mais ainda!
Na França, a extrema direita avançou, como em vários países europeus, alavancando um político jovem tiktoker de 28 anos. A priori, é sempre temerário colocar nas mãos de um jovem tal poder! Mas, tratando-se de Jordan Bardella, beira a inconsequência! A sua incoerência o leva a refutar emigrantes, sendo ele descendente de italianos! Rejeita o funcionamento da União Europeia, tábua sagrada para os franceses que foram seus cofundadores! Vem de um partido que já flertou com Putin e é nitidamente islamofóbico. Ao reclamar aposentadorias mais precoces, atenta contra a estabilidade fiscal, já frágil nos países europeus do bem-estar social! Por outras palavras, a sua juventude, associada à sua ideologia, torna-se uma bomba prestes a detonar! Se os franceses aceitam esse risco, como protesto a Macron e à esquerda, eles se aproximam do abismo potencial para a derrocada dos próprios valores da Revolução!
Um, jovem demais no país que no século XVIII mudou para sempre a história da humanidade e inaugurou um processo que levou à universalização dos direitos sociais e das liberdades individuais. O outro, velho demais para comandar um país que nasceu à sombra dos ideais iluministas, que pregavam liberdade e igualdade de direitos. Os dois casos retratam a pobreza que caracteriza os nossos tempos. Uma carência de líderes e uma tendência a fazer do protesto (às vezes legítimo) uma “terceira vida”! Vi isso em Portugal, Espanha, Alemanha, Itália e agora na França. Saudades, porém, dos tempos em que protestar, neste último, era apenas queimar pneus e bloquear rodovias!
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

