Leio, em toda mídia digital que visito, que o governador dos paulistas destinou dez reais (isso mesmo) para o projeto de educação em direitos humanos e cidadania capitaneado pela Secretaria de Políticas para Mulher.

O valor destinado dá a medida do desrespeito com que o bandeirante trata o tema (menos que um pastel e um caldo de cana), ao tempo em que atrasa a consideração do outro em nossa circunstância social.

Pensar que por uma pedalada fiscal (como a canalha tupiniquim é boa em criar conteúdo) afastamos uma Presidenta legitimamente constituída, me dá ganas de questionar: Não incomoda à sociedade o desconforto de investir energia em fato político de acordo com o interesse do beneficiário? Não há qualquer grita sobre a covardia explícita do valor destinado (10 reais)?

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Perdemos referência ao longo da vida e isso vem sendo normalizado. Esse talvez seja nosso buraco sob o buraco na camada de ozônio. Aqui e agora o inferno é o desvalor que se dá a vida.

Gaya segue sangrando e o homem do séc. 21, notadamente o pró mercado, não busca crescimento interior. Elevação de espírito parece não sentar à mesa da faria lima, tampouco compõe o cenário de um lugar cor de rosa – para não dizer que esqueci de Edith, o derradeiro pardal francês.

‘La vie en rose’ segue perseguindo o ‘riso perdido em nossa boca’, enquanto as ‘palavras de todo dia’ expurgam, nos 10 reais de tarcísio, mais uma oportunidade de ensinar a não abandonar indefesos pelas calçadas da vida.

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Lá em Belo Horizonte, leio tanto quanto nas mídias sociais que visito, um egoísta que desconhece direitos humanos e cidadania, abandonou uma jovem indefesa (desmaiada por ter abusado de bebida alcoólica) na calçada, em uma madrugada destas. Na sequência, vem um desandado e a estupra...

A tragédia mineira tem início com um amigo que coloca a jovem embriagada em um carro de aplicativo. Este desandado e o maldito motorista não têm noção de cidadania, naquilo que seria possível evitar a violência sexual se um deles considerassem a mulher.

Mas não. Por aqui, nessa hora triste em que se aplaude a morte pela maldade fascista e se busca reconstruir a vida em pequenas porções de políticas públicas, a mulher segue sendo menos.

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Da equação café com leite para onde caminhou minha crônica, sobressai a política cafeeira bandeirante, desenhada na quantia (10 reais) destinada ao projeto de educação em direitos humanos e cidadania suscitado pela Secretaria de Políticas para Mulher.

Os 10 reais de tarcísio, ao tempo em que negam a importância do tema (sensível à retomada da empatia que a sociedade civil demanda), alimentam nosso atraso social, assentando alguns tijolos mais no muro estamental que estamos levantando no entorno das minorias.

Tudo que alimenta o ódio desconhece empatia.

Estamos uma sociedade onde o outro é o incômodo e não o próximo, e essa visão maldita desenha uma sombra de angústia e egoísmo que vem alimentando a escuridão na luta cotidiana com o bem.

É tão grande nossa indiferença que gente pedindo comida nos semáforos da cidade não são pessoas com fome em situação de miséria humana, mas sim uma mancha no cartão postal da existência – ‘Existirmos, a que será que se destina? Pois quando tu me deste a rosa pequenina...’

Há entre os 10 reais destinados pelo governador dos paulistas para a pasta da cidadania e a circunstância que precedeu o estupro da jovem em Belo Horizonte, muito mais do que supõe nossa vã filosofia – quer na política cafeeira, quer na conjunção leiteira, faltou empatia e empatia não se compra em lojas de conveniência, tampouco se adquire pela internet e nos chega em casa pelo mercado livre.

Mercado livre, a propósito, encerra a parêmia neoliberal desenhada no pensamento individualista que assentou os tijolos e avermelhou o chão dessa gente da faria lima: ‘laissez faire, laissez passe, le monde va de lui-même’.

Não custa lembrar que faltou humanidade e cidadania para o desandado que despachou a amiga vulnerável em um veículo conduzido por um desconhecido que a abandonou na calçada da existência, para um terceiro maldito estuprá-la.

A bem da verdade a jovem mineira foi agredida duas vezes antes de ser estuprada: pelo falso amigo e pelo motorista que não a consideraram enquanto pessoa humana e, portanto, passível de vulnerabilidade.

Vivemos, pois, um ‘tempo de absoluta depuração, onde o amor resultou inútil’ e a vida segue perdendo os sinais de empatia que constituíam a base de uma sociedade pré-industrial (falo da terceira revolução industrial: a tecnológica), onde o outro era a medida de nossa consideração.

Tristes e estuprados trópicos, onde a canalha se une em políticas de estado que malferem o tecido social, ao tempo em que mandam uma mensagem fascista negativa de vigência de políticas públicas.

Precisamos derrotar o desamor, nossa derradeira Quimera, na construção de pontes que levam ao outro – tal qual você ensinou, Pai.

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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