Os seres humanos, como espécie, possuem uma história relativamente curta de aproximadamente 250 mil anos, uma fração insignificante em relação à história da vida na Terra e ainda mais ínfima diante da vastidão temporal do universo. No entanto, apesar de nossa compreensão limitada sobre nossa própria finitude, os últimos 300 anos testemunharam uma mudança radical na maneira como entendemos o mundo e nosso papel nele. Esse período foi marcado pela consolidação do paradigma da racionalidade moderna capitalista, que se tornou a força governante da vida e estabeleceu uma lógica dominante que se impôs a todas as formas de vida no planeta.

Essa racionalidade, caracterizada pelo desejo de domínio e poder sobre a natureza e sobre outros seres humanos, contradiz profundamente a condição humana. Trata-se de uma racionalidade econômica que busca reduzir a vida a uma série de práticas pragmáticas condicionadas pela capacidade de produção dentro do sistema capitalista. Esta lógica predomina no logos humano, separando-se das condições existenciais e vitais do ser humano, uma herança do cartesianismo, que se constituiu como um momento fundacional dessa compreensão e modelo. A lógica central do capitalismo é frequentemente confundida com nossa leitura, interpretação e visão de mundo, apesar de suas intensidades diferenciadas.

Neste ensaio, buscamos levantar as diferenças fundamentais entre a ontologia do capital e a ontologia da vida. São ontologias diametralmente opostas: a ontologia do capital se baseia na objetivação, quantificação e acumulação, uma racionalidade fria e calculista, enquanto a ontologia da vida se fundamenta na diversidade que nos forma, na sensibilidade, empatia e respeito.

Para ilustrar de forma simplificada, assim como o capitalismo cooptou a modernidade, o mercado cooptou a democracia. A modernidade, enquanto projeto de mundo, originalmente se baseava nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Contudo, o capitalismo transformou esses ideais em algo completamente diferente: a liberdade tornou-se privilégio dos burgueses ricos, a igualdade se manifestou nas leis de domínio e subjugação (exploração, subordinação, expropriação), e a fraternidade foi reduzida a uma assistência social esporádica, um alívio de consciência. Essa ilusão de pregar liberdade e igualdade através do trabalho, produção e consumo é uma propaganda ideológica do capital que se expande continuamente, modificando-se pela produção e especulação financeira. A ideia prevalente é que apenas através do crescimento econômico se alcançarão as liberdades, igualdades e fraternidades prometidas. Entretanto, isso permanece uma expectativa incompleta, muito distante de ser efetivada.

O liberalismo econômico, que atualmente domina a economia, gera lucros em condições de monopólios, onde a concorrência é em grande parte ilusória devido a acordos entre as grandes fortunas para determinar valores, normas e crenças morais. Essa concorrência sem concorrência é uma manobra de poder legitimada pelo estado democrático liberal, que permite e sustenta essa forma de organização. Exemplos disso incluem políticas como o salário mínimo, enquanto não há um teto salarial ou taxação de grandes fortunas, e os impostos diretos e indiretos recaem mais pesadamente sobre os trabalhadores. O estado não intervém para limitar os ganhos, mas sim para garantir essa cultura econômica. O estado, no geral, sustenta uma antidemocracia social, ambiental e econômica, não promovendo uma reforma tributária profunda, não limitando os ganhos dos bancos, nem estabelecendo controle social sobre o capital especulativo. É crucial compreender que o salário não é renda, mas uma compensação para manter-se vivo e pagar pelos bens necessários à sobrevivência.

Na democracia representativa, o voto deveria colocar no poder alguém que nos representasse, mas, na prática, o mercado utiliza o dinheiro para compra de votos e manutenção do poder sob controle. Os poderes eleitorais compram votos, fortalecendo o submundo do crime e perpetuando a falsa crença de que os pobres não têm vocação para o comando ou para lidar com a política. As mídias tradicionais e, atualmente, as mídias digitais são os principais vetores desse processo.

Paulo Bassani, cientista social; Arthur Barbosa Bassani, agrônomo