Ser mulher é ouvir desde pequena que não se é suficiente, que está errada, está sendo inapropriada. Interessante que, apesar disso, sempre necessária. A roda do mundo não gira sem o trabalho da mulher, principalmente, aquele invisível e que ninguém quer fazer, como o trabalho doméstico ou as funções menores e subalternas.

Mas, na verdade, não é sobre esse invisível que quero falar. Esse invisível é apenas parceiro e consequência do outro – o de não ser aceita. Mulheres ao redor do globo também ganham visibilidade nas mais diversas áreas de atuação e ainda assim, independente do sucesso dos seus feitos, quando lemos a notícia sempre vem os destaques: sua idade, vida pessoal e aparência física. - “Mas veja bem, qual o problema?” - A resposta está na própria pergunta: por que a idade, aparência e vida de uma atriz que está ganhando o Oscar, da CEO de uma empresa em expansão ou de uma caloura do curso de biomedicina importam e incomodam tanto? Qual o problema? Bom, sabemos onde não está o problema: nos corpos masculinos. Esses, dificilmente, são julgados por sua aparência, idade, escolhas de vida ou companhias.

Por que insistimos em diminuir as mulheres que fogem do padrão estético ou da idade considerada apropriada, independentemente de suas conquistas? Somente somos produtivas até os 40 anos e belas até os, 25 - 30 anos? Mas quem definiu isso? Confesso que para mim já está cansativo o discurso de que é tudo culpa dele, o PATRIARCADO. Essa entidade sem corpo ou cabeça definidos e que, como o Leviatã de Hobbes, domina e se impõe de forma absoluta a todos os humanos - esses seres que insistem em lutar todos contra todos. Sabemos que não é tão simples assim e que inclusive é difícil lutar contra um inimigo absoluto indefinido. Fica mais fácil quando damos cara, nome e corpo a esse monstro. Aqui prefiro chamá-lo de MERCADO.

Um dos princípios absolutos do capitalismo monopolista, em crise desde a década de 70, é criar necessidades. Ao incutir a necessidade, nosso monstro também cria a solução. Sendo assim, ao criamos seres “incompletos”, não suficientes, erradas e inapropriadas, não basta ganhar o Oscar após os 50 anos, é preciso mais - aparentar ser mais jovem, ter mais seios, pele mais lisa, ser mais magra ou ter mais curvas. Não basta após uma vida de luta para sustentar família e criar filhos, através de empregos mal pagos, passar no vestibular – é preciso entrar na faculdade ainda jovem, mesmo sem tempo ou dinheiro para tal. Não basta ser uma CEO de sucesso, é preciso ter também um relacionamento de sucesso – você tem muita energia “masculina”, isso não é atraente, está disputando com homens, tem que ser submissa, aprenda com as coachs de relacionamento!

O etarismo, machismo, gordofobia e outros filhos feios do Mercado com o seu Dom de Iludir provocam diariamente nas mulheres a sensação de não ser o bastante, perspectiva essa reforçada e replicada. principalmente por mulheres, como no caso das universitárias de Bauru (SP) que debocharam da colega de 40 anos.

Na roda viva das relações efêmeras e líquidas de Bauman a única certeza é a insatisfação e o reforço das aparências sobre a essência. Existe solução para isso, várias, porém são bem caras e nunca suficientes. A única suficiência Caetano já cantou em um trecho da música citada acima – complementada aqui pelos Engenheiros do Havai: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é “, sem julgamentos e ideações. “Somos quem podemos ser, sonhos que podemos ter”.

Relly Amaral Ribeiro é mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina, professora e tutora dos cursos de pós-graduação em Serviço Social do Centro Universitário Internacional Uninter

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