Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO: A igreja existe para interpelar!
| Foto: Tiziana Fabi / AFP

O papa Francisco tem se mostrado arrojado impulsionando a Igreja rumo ao futuro, provocando nela substanciais mudanças, com o objetivo de que cumpra a missão primeira, que é responder às demandas do mundo com a Palavra do Evangelho. A isso, chama-se evangelização. Foi muitas vezes confundida com doutrinação e até condenação do próprio mundo.

Evangelizar, porém, nada mais é do que apresentar ao mundo e aos homens, em cada época e lugar, não a religião sistematizada e dogmatizada em Concílios e Decretos, mas a vontade de Deus preconizada em Jesus de Nazaré há dois mil anos atrás. Ora, sendo assim, Francisco não tem inventado muita coisa! Nem ao nível doutrinal ou pastoral!

A Doutrina Social da Igreja elaborada a partir do final do século XIX e bem sistematizada por João Paulo II, é a plataforma que ele usa para desenvolver com coragem, verdadeiras alternativas ao status quo atual da economia e do trabalho, geradores de desigualdades e sofrimentos vários.

Numa das suas últimas manifestações, o papa expôs de forma brilhante as mazelas do atual sistema. Diz que em tempos de opulência como os que vivemos, em que seria possível acabar com a pobreza, os poderes do pensamento único, nada dizem sobre os pobres, os idosos, os emigrantes, os nascituros e os gravemente doentes! Usando uma expressão de seu cunho, afirma que esta gente é tratada como descartada: “É um crime contra a humanidade que, como resultado deste paradigma ganancioso e egoísta dominante, nossos jovens sejam explorados pela nova e crescente escravidão do tráfico de pessoas, principalmente em trabalho forçado, prostituição e na venda de órgãos!”

Palavras papais. Não é de mais riqueza que precisamos! É de uma autêntica revolução pensante e conceitual, inspirada pelas Bem-Aventuranças! É a isso que podemos chamar de verdadeira evangelização! Repito: pouca coisa é inédita no papa argentino! O Concílio Vaticano II e as Conferências Episcopais Latino Americanas (ilustremente desconhecidas) já abordaram sobejamente o assunto. A “miséria como resultado da injustiça, é um inferno” eis uma fortíssima frase do papa! Isso, porque enfraquece a liberdade humana e coloca aqueles que sofrem por causa dela, em condições de se tornarem vítimas das novas formas de escravidão.

O papa considera o crescente abismo entre ricos e pobres, como causa de agitações sociais, de conflitos e do enfraquecimento da democracia. E escreve: “Deve-se isto à progressiva erosão das relações de fraternidade, amizade social, harmonia, confiança, confiabilidade e respeito, que são a base de toda a convivência civil”. O papa Francisco vai mais longe, ao mencionar em sua mensagem, que os “proprietários de bens devem usá-los num espírito de pobreza, reservando a melhor parte para o hóspede, o doente, o pobre, o velho, o indefeso, o excluído; que são o rosto, tantas vezes esquecido, de Jesus".

No século IV da nossa era, quando a Igreja ensaiava os primeiros passos na liberdade de manifestação, vários líderes chamados de Santos Padres, interpelavam as autoridades de Constantinopla e Roma sobre estes mesmos assuntos! O arcebispo de Milão, Santo Ambrósio, já dizia: “O que você dá aos pobres não faz parte de seus bens; o que você dá aos pobres pertence a eles. (...) A terra foi dada para todo mundo e não apenas para os ricos".

Entendo que a grande solução para os nossos dias, em que nunca produzimos tanto e continuamos experimentando a fome e a miséria, será educar os jovens para uma nova cultura baseada na solidariedade. A tal da “globalização da solidariedade”! Repetindo a doutrina do papa João Paulo II, Francisco reafirma que o destino universal dos bens permanece uma prioridade, mesmo se a promoção do bem comum requer respeito à propriedade privada. Buscar juntos a civilização do amor é a grande solução!

“O espírito de pobreza, portanto, o limite imposto ao lucro, é a única forma de garantir "o próprio bem-estar do indivíduo, da economia e da sociedade local e global" conclui o papa. E deixa uma sugestão: um compromisso ao qual todos somos chamados hoje: "Criar um movimento global contra a indiferença”!

Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos é padre na Arquidiocese de Londrina