Leio, n’alguma mídia, que uma mulher (em Santa Catarina) morreu, ferida de faca por um vizinho. No mesmo evento seu filho adolescente (14 anos) também foi ferido e foi internado em um hospital.

Tudo teria passado após o assassino reclamar do jeito de vestir da filha de onze anos da vítima. Diante da agressão verbal à irmã, o filho adolescente a defendeu. O covarde assassino, então, se armou (faca) e o agrediu. A mãe, que presenciava a agressão, correu para defender o filho e acabou assassinada.

O tamanho da futilidade do homicídio impõe a nós outros refletir até quando seguiremos banalizando o mal?

Deveras, a ação criminosa atende a um estereótipo; o assassino agrediu a jovem (11 anos) por seu comportamento social. O que, senão o mal, autorizaria um vizinho a questionar a forma de vestir de uma jovem menina? O preconceito alimenta o rudimentar assassino, projetando uma visão de mundo distópica que relativiza seu modo de solução para conflitos existenciais.

O mal caminha pela terra e assume diversas formas de manifestação, suposto que esse instante medíocre de nossa existência abriga um DNA de preconceito que mitiga minorias – passamos quatro anos normalizando esse vespeiro cultural, onde o macho branco se auto concede um tamanho que não possui...

Desconheço o assassino. Mas conheço seu modo de pensar (tanto que aponto a maldade de sua formação enquanto catalizador de sua conduta homicida) e constato que o corpo que caiu foi o mais frágil socialmente falando – uma mãe tombou pela ação homicida de um caucasiano branco que se auto concedeu a capacidade de falar e ditar regra de comportamento sobre os costumes alheios.

Há método na conduta que projeta a banalização do mal espraiada pelos anos de discursos de ódio cultivados pelo mito (que as joias árabes ajudarão sepultar), e não se pratica o mal impunemente.

Padres e pastores que tutelaram o ódio em suas igrejas, apoiando e passando pano para as barbaridades defecadas pelos extremistas de direita que seguiam o berrante do mito, devem parar e refletir no que fizeram. Vejam o custo.

Observem a trilha de sangue e a futilidade da tutela do pensamento raso que orienta mergulhar no lajeado. Estão vendo? Então, é só o que se vê. Não se destaca nada além da solidão que o ódio projeta. Bem por isso, não se vê Cristo nessa miséria existencial que vocês ajudaram a normalizar.

O mal e apenas o mal poderia albergar essa fissura em nosso modo de vida, onde a tutela de interesses da maioria ganhou a atenção das instituições (igrejas, algumas, à testa), naquilo que armar a população foi ordem expressa que o (des)governo disseminou, através do ódio que pingou em nosso convívio.

Fomos infectados (alguns mortalmente, outros nem tanto). Mas o mal se mostrou e nós o banalizamos. Achamos graça. Rimos da perversidade autocrata que se instaurou no planalto central e contou com o desvio de caráter de tutores esclarecidos, que se auto imaginaram capazes de mediar se necessário fosse.

E o custo até que a aliança intercedesse? Alguém calculou? Alguém questionou como se arma quem acredita na bala enquanto resposta? Como sintonizar o ideário da cristandade (padre ou pastor) no perfilamento selvagem, a céu aberto, que fez tombar as minorias que o próprio Cristo reconheceu e tratou?

A igreja precisa orientar seus padres caídos, para não ter que resgatá-los no limbo de interpretações que comungaram com o mal, ao tempo em que as penas de aluguel da direita extrema não podem seguir a escrever (passando pano) como se o gesto de pensar e colorir (com o preto e branco da vida) fosse uma manifestação livre e desligada da realidade, que se acomodaria na neoliberação profana do século XXI.

Escrever demanda compromisso com a verdade e com a realidade histórica, naquilo que negar a cronografia abre espaço para que o mal (mentira) se pronuncie enquanto substituto da vida que passou.

A equação histórica dos povos não prescinde da verdade. O fato está documentado (livros). Desafiá-lo, a qualquer pretexto, é negar a liberdade no grilhão que aprisiona pela ignorância – haja berrante para o gado acampado!

As sociedades industriais e sua organização social obedecem uma trilha que se estabeleceu no entorno do meio de produção. Normalizar a exploração das minorias que essa equação altamente desequilibrada produziu é cuspir nas vítimas históricas que o desenvolvimento do capital cunhou.

Assim, quando o assassino catarina diz da jovem (11 anos) que ela não está vestida de acordo (com o que?), este cavernícola sulista invade o mundo onírico da criança, profanando sua estrutura social e potencializando a fragilidade minórica à que a infante já nasceu exposta.

A resposta há de vir do estado, mas punir não basta; é preciso dizer que armar uma parcela da sociedade, cagar regra de comportamento e seguir se imiscuindo na vida alheia não é comportamento cristão. As igrejas (de qualquer orientação) devem isso ao Cristo!

Te cuida Ariel, que lá vem Caliban. Saudade Pai, você ensinou amar e amar deixou de ser o centro de tudo; hoje, a falta de cuidado com o outro leva a morte do mais frágil. Tristes e esquizofrênicos trópicos, onde a jihad travada segue fundamentalizando a vida e cuspindo covardia.

João dos Santos Gomes Filho, advogado

Os artigos, cartas e comentários publicados não refletem, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina, que os reproduz em exercício da sua atividade jornalística e diante da liberdade de expressão e comunicação que lhes são inerentes.

COMO PARTICIPAR| Os artigos devem conter dados do autor e ter no máximo 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. As cartas devem ter no máximo 700 caracteres e vir acompanhadas de nome completo, RG, endereço, cidade, telefone e profissão ou ocupação.| As opiniões poderão ser resumidas pelo jornal. | ENVIE PARA [email protected]