ESPAÇO ABERTO: A banalização do mal
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 21 de março de 2023
João dos Santos Gomes Filho
Leio, n’alguma mídia, que uma mulher (em Santa Catarina) morreu, ferida de faca por um vizinho. No mesmo evento seu filho adolescente (14 anos) também foi ferido e foi internado em um hospital.
Tudo teria passado após o assassino reclamar do jeito de vestir da filha de onze anos da vítima. Diante da agressão verbal à irmã, o filho adolescente a defendeu. O covarde assassino, então, se armou (faca) e o agrediu. A mãe, que presenciava a agressão, correu para defender o filho e acabou assassinada.
O tamanho da futilidade do homicídio impõe a nós outros refletir até quando seguiremos banalizando o mal?
Deveras, a ação criminosa atende a um estereótipo; o assassino agrediu a jovem (11 anos) por seu comportamento social. O que, senão o mal, autorizaria um vizinho a questionar a forma de vestir de uma jovem menina? O preconceito alimenta o rudimentar assassino, projetando uma visão de mundo distópica que relativiza seu modo de solução para conflitos existenciais.
O mal caminha pela terra e assume diversas formas de manifestação, suposto que esse instante medíocre de nossa existência abriga um DNA de preconceito que mitiga minorias – passamos quatro anos normalizando esse vespeiro cultural, onde o macho branco se auto concede um tamanho que não possui...
Desconheço o assassino. Mas conheço seu modo de pensar (tanto que aponto a maldade de sua formação enquanto catalizador de sua conduta homicida) e constato que o corpo que caiu foi o mais frágil socialmente falando – uma mãe tombou pela ação homicida de um caucasiano branco que se auto concedeu a capacidade de falar e ditar regra de comportamento sobre os costumes alheios.
Há método na conduta que projeta a banalização do mal espraiada pelos anos de discursos de ódio cultivados pelo mito (que as joias árabes ajudarão sepultar), e não se pratica o mal impunemente.
Padres e pastores que tutelaram o ódio em suas igrejas, apoiando e passando pano para as barbaridades defecadas pelos extremistas de direita que seguiam o berrante do mito, devem parar e refletir no que fizeram. Vejam o custo.
Observem a trilha de sangue e a futilidade da tutela do pensamento raso que orienta mergulhar no lajeado. Estão vendo? Então, é só o que se vê. Não se destaca nada além da solidão que o ódio projeta. Bem por isso, não se vê Cristo nessa miséria existencial que vocês ajudaram a normalizar.
O mal e apenas o mal poderia albergar essa fissura em nosso modo de vida, onde a tutela de interesses da maioria ganhou a atenção das instituições (igrejas, algumas, à testa), naquilo que armar a população foi ordem expressa que o (des)governo disseminou, através do ódio que pingou em nosso convívio.
Fomos infectados (alguns mortalmente, outros nem tanto). Mas o mal se mostrou e nós o banalizamos. Achamos graça. Rimos da perversidade autocrata que se instaurou no planalto central e contou com o desvio de caráter de tutores esclarecidos, que se auto imaginaram capazes de mediar se necessário fosse.
E o custo até que a aliança intercedesse? Alguém calculou? Alguém questionou como se arma quem acredita na bala enquanto resposta? Como sintonizar o ideário da cristandade (padre ou pastor) no perfilamento selvagem, a céu aberto, que fez tombar as minorias que o próprio Cristo reconheceu e tratou?
A igreja precisa orientar seus padres caídos, para não ter que resgatá-los no limbo de interpretações que comungaram com o mal, ao tempo em que as penas de aluguel da direita extrema não podem seguir a escrever (passando pano) como se o gesto de pensar e colorir (com o preto e branco da vida) fosse uma manifestação livre e desligada da realidade, que se acomodaria na neoliberação profana do século XXI.
Escrever demanda compromisso com a verdade e com a realidade histórica, naquilo que negar a cronografia abre espaço para que o mal (mentira) se pronuncie enquanto substituto da vida que passou.
A equação histórica dos povos não prescinde da verdade. O fato está documentado (livros). Desafiá-lo, a qualquer pretexto, é negar a liberdade no grilhão que aprisiona pela ignorância – haja berrante para o gado acampado!
As sociedades industriais e sua organização social obedecem uma trilha que se estabeleceu no entorno do meio de produção. Normalizar a exploração das minorias que essa equação altamente desequilibrada produziu é cuspir nas vítimas históricas que o desenvolvimento do capital cunhou.
Assim, quando o assassino catarina diz da jovem (11 anos) que ela não está vestida de acordo (com o que?), este cavernícola sulista invade o mundo onírico da criança, profanando sua estrutura social e potencializando a fragilidade minórica à que a infante já nasceu exposta.
A resposta há de vir do estado, mas punir não basta; é preciso dizer que armar uma parcela da sociedade, cagar regra de comportamento e seguir se imiscuindo na vida alheia não é comportamento cristão. As igrejas (de qualquer orientação) devem isso ao Cristo!
Te cuida Ariel, que lá vem Caliban. Saudade Pai, você ensinou amar e amar deixou de ser o centro de tudo; hoje, a falta de cuidado com o outro leva a morte do mais frágil. Tristes e esquizofrênicos trópicos, onde a jihad travada segue fundamentalizando a vida e cuspindo covardia.
João dos Santos Gomes Filho, advogado
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