A morte do indivíduo

Quando Nietzsche (1844-1900) escreveu, em 1882, a parábola do homem louco, que gritava em praça pública "Deus está morto! Nós o matamos!", um terremoto de indignação se abateu sobre a multidão. O filósofo não proclamava seu próprio ateísmo, mas o espírito de sua época, em que a influência da religião na vida das pessoas era cada vez menor. A igreja, os mitos, os rituais, as ideias e a moral baseada na teologia vinham se enfraquecendo e desaparecendo. E Nietzsche, então, indagava: "Terá sido o homem um erro de Deus ou será Deus um erro dos homens?".

Fazendo analogia com a história do indivíduo – essa entidade humana elevada à condição divina por Santo Agostinho (354-430 d.C.), cuja vida devia ser colocada no centro do universo, protegida, respeitada e valorizada –, parece que estamos vivendo o dilema proposto por Nietzsche. Antes, o indivíduo era somente uma peça dessa engrenagem chamada "humanidade", tratado como um simples animal, que quando não servia mais era desvalorizado e abandonado para morrer. No tempo do Império Romano, crianças doentes e idosos inválidos eram deixados nas estradas frias para agonizar e morrer.

Que representação do desvalor da vida é maior que cristãos lançados aos leões no Coliseu de Roma para diversão e euforia do povaréu? Santo Agostinho elevou o ser humano por acreditar que é um ser único, dotado de intelecto e uma alma imortal. Os liberais ingleses que lutaram contra o poder imperial e despótico dos reis defenderam que o indivíduo é o valor maior e deve estar acima do Estado. Margaret Thatcher disse: "Não conheço essa tal sociedade; eu conheço indivíduos".

Mas, há exatos 100 anos, o regime comunista soviético retomou o desprezo pelo indivíduo, a ponto de um único ditador, Stalin, ter matado 20 milhões de pessoas desarmadas de seu próprio povo, em nome da prevalência do coletivo sobre o indivíduo. Na engenharia comunista, uma das ideias era a de que os filhos não pertenciam aos pais, mas ao Estado, ao qual as crianças deveriam ser entregues. Era a coletivização do indivíduo.

Quando vejo uma mulher que é mãe defendendo o socialismo, pergunto o que ela sabe sobre a coletivização dos filhos. Não consigo conceber que uma única mãe neste mundo possa concordar com essa ideia tresloucada. Quanto às atrocidades de Stalin, quem as denunciou não foi nenhum liberal, mas um secretário-geral do Partido Comunista: Nikita Kruschev, no congresso comunista de 1956.

Esses exemplos pertencem à estratégia de reduzir o indivíduo a um animal descartável, sem valor moral maior, cuja vida vale pouco. Digo isso a propósito da passividade com que a sociedade brasileira encara o fato de 60 mil pessoas morrerem assassinadas por ano no País. "O indivíduo está morto!", não no sentido físico, mas como entidade única, cuja morte violenta deveria indignar a todos. Mas os homicídios não indignam mais ninguém e foram incorporados à vida da nação.

Ouvi um folião do carnaval dizer, aos berros: "O Brasil é o país da paz e da alegria!". Chamar de "o país da paz" um lugar onde 60 mil pessoas morrem assassinadas a cada ano é decretar a morte do indivíduo como entidade de valor superior. Eu não valho nada, você não vale nada. Somos todos descartáveis. Só nos cabe plagiar Nietzsche: "O indivíduo está morto! Nós o matamos!", e rezemos para que não seja em nossa família que a próxima desgraça aconteça. Mas rezar para quem, se Deus também está morto? Triste país!

JOSÉ PIO MARTINS é economista e reitor da Universidade Positivo (UP)


O Pecado Social: A responsabilidade social expressa nos Dez Mandamentos



As religiões monoteístas – judaísmo, cristianismo e islamismo – impõem aos seus fiéis um conjunto de princípios morais e éticos que regulam suas relações espirituais, comunitárias e particulares, sendo um guia para seu cotidiano e também uma resposta para os diversos e complexos dilemas confrontados na vida.

Acontece que, às vezes, por diversos motivos, o fiel ou até um grupo de pessoas, não prática o que foi orientado a fazer, cometendo o que a religião denomina como "pecado", ou seja, uma desobediência a qualquer norma desse conjunto de leis ou mandamentos. Dependendo do erro praticado, pode ser imposto ao membro orações, penitências ou sacrifícios para repará-lo ou até, em casos mais graves, sua exclusão completa do grupo, como uma excomunhão.

Os "Dez Mandamentos", na cultura ocidental, além de ser o código religioso mais conhecido é também aquele que mais influência o homem em suas relações sociais. Dos dez artigos, seis orientam o indivíduo para a vida em sociedade, buscando um equilíbrio entre a vida particular e pública, e são sobre esses que delinearemos o artigo.

Antes de prosseguirmos com a reflexão, é importante esclarecer que o artigo não versará sobre a violação do preceito religioso em nível pessoal, mas sim naquelas faltas que refletem direta ou indiretamente na sociedade, contribuindo negativamente para seu progresso, denominado "pecado social".

As pesquisas governamentais mostram que a população está envelhecendo e vivendo mais em comparação com as gerações passadas, gerando uma inversão na pirâmide social onde a população inativa é maior que a ativa. Além da crise social e previdenciária que isso representa, os idosos necessitam de uma assistência melhor, que não é atendida pela aposentadoria e/ou pelos serviços públicos, necessitando do auxílio da família, mas qual é a realidade? Aposentados que servem como arrimo de família ou que tem sua escassa renda comprometida com empréstimos consignados para atender as necessidades de terceiros, podemos citar também o abandono dos idosos ou seu esquecimento em asilos, aos quais muitas vezes não estão preparados para atendê-los, isso quando não são vítimas de maus-tratos, descaso, violência ou, em casos extremos, indigência. A geração atual não está honrando devidamente seus antepassados.

"Não matarás". O verbo está conjugado no futuro do presente, uma ordem que não está distante, está próxima, algo que deve ser realizado hoje, agora. Se procurarmos o significado da palavra "matar" no dicionário, encontraremos três significados principais: 1º, tirar a vida, como se tornou normal no noticiário matérias mostrando a insignificância do valor da vida nos motivos mais fúteis utilizados para justificar tais atos; 2º, causar a morte, não se pode entender o ato de matar apenas como um assassinato, mas também como uma palavra, uma atitude, um gesto, uma omissão que causa a morte da pessoa, que poderia levar, num caso extremo, ao suicídio, mas também uma morte parcial, referente a alguma dimensão da vida – pessoal, familiar, afetiva, profissional, acadêmica – anulando, temporariamente ou definitivamente, aquele campo de realização do sujeito; 3º, fazer murchar, pais que impõem seus sonhos aos filhos, um profissional não realizado ou reconhecido, um relacionamento onde não há reciprocidade ou um parceiro que age em detrimento do outro, enfim, são vários os acontecimentos que podem fazer com que o ser perca sua energia, sua alegria, sua força, numa dinâmica que leva ao esvaziamento e ao entristecimento. Não matarás!

Em tempos de modernidade líquida, os relacionamentos são baseados na superficialidade do ser e naquilo que o outro pode oferecer na relação, uma troca recíproca, consciente ou inconsciente. Faltam nos compromissos o sentimento, a lealdade, a fidelidade, o comprometimento, a empatia, o doar-se espontaneamente, sem esperar algo em troca, uma vida a dois onde se compartilhe dos altos e baixos da vida, naquela proposta antiqüíssima que os noivos mutuamente prometem: "na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na alegria e na tristeza". Mas o cenário que se vislumbra é desanimador. Será que histórias como de Páris e Helena, Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Abelardo e Heloisa, Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, Armando Durval e Margarita Gautier, Osíris e Ísis, Jacó e Raquel, e tantas outras não aquecem mais o coração dos homens e das mulheres em busca do amor verdadeiro?

A corrupção nas esferas políticas tornou-se endêmica e a sociedade exige por parte do poder público uma resposta na qual os envolvidos sejam levados a julgamento e o erário restituído, mas, e a corrupção do dia-a-dia, aquela com a qual nos deparamos cotidianamente, praticada por cidadãos comuns? Passar no sinal vermelho, chegar atrasado ou sair mais cedo do serviço – sem prejuízo, utilizar o caixa preferencial ou estacionar em vaga especial – mesmo não atendendo aos quesitos, comprar produtos piratas, furar fila e muitas outras atitudes que refletem "o jeitinho brasileiro", aquele que tira vantagem em detrimento do próximo. Quem julgará e devolverá à ética, à moral, à decência, à vida aquilo que lhe foi desviado?
"O que falta nessa cidade?... Verdade." Essa crítica, apesar de atual, não foi escrita por nenhum pensador contemporâneo, mas veio pela pena do padre Gregório de Mattos, século XVIII, referindo-se a sociedade da época. A verdade não falta apenas na(s) cidade(s), também nas famílias, nos relacionamentos, na política, no meio profissional, na mídia, na vida... em tudo! A existência tornou-se toda ela "um falso testemunho".

Por que tantas revistas, programas e sites que esquartejam a vida dos famosos? Por que pagar caro por uma roupa, um calçado ou um acessório? Por que mais e mais ídolos no esporte, no cinema, na televisão, nos negócios? Porque a vida não se basta! Precisamos projetar em alguém a realização que não temos. Precisamos ter algo que inebrie com sua ilusão. Precisamos de qualquer coisa que anestesie a consciência. A cobiça está acerca.
Caro leitor, que essa rápida consideração sobre os Dez Mandamentos o inspire a contribuir positivamente por uma sociedade justa, onde todos possam respeitar os direitos. Que possa ser uma reação contra um sistema que isola, amedronta, vicia, desumaniza. Força!

ABILIO JUNIOR é professor em Londrina.

• Os artigos devem conter dados autor e ter no máximo 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. Os artigos publicados não refletem necessariamente a opinião do jornal. E-mail: [email protected]