Ao vencedor, as batatas
Helena de Barros Mendes
  Nunca havia parado para refletir sobre batatas. Agora, diante dos últimos acontecimentos, aproveito para pensar um pouco em batatas. Afinal, quem não gosta desses maravilhosos tubérculos amplamente utilizados na gastronomia mundial em diferentes e apetitosos pratos? Dos Andes peruanos e bolivianos para o mundo, a batata conquistou os mais exigentes paladares. Cultivada há mais de 7 mil anos, para o povo andino, a batata significa vida. Quando de sua introdução na Europa por volta de 1500, foi recebida com certa resistência pelos europeus, considerando-na como algo diabólico e contaminante, pelo fato de sua chegada coincidir com um período de epidemias, a ponto de a maioria preferir passar fome a ter que plantá-la. Aos poucos, com o abrandamento das superstições, a planta difundiu-se pelo continente europeu, tanto que durante a Segunda Guerra Mundial foi consagrada como alimento imprescindível, salvando milhões de pessoas da morte por inanição.
  Machado de Assis, em seu irretocável romance Quincas Borba, cria o ‘‘humanitismo’’, uma espécie de filosofia, explicada pela batata, em que duas tribos famintas lutam desesperadamente por uma plantação deste tubérculo. Caso dividissem as batatas, selando a paz, ambas morreriam de fome, pois a quantidade existente era suficiente para alimentar apenas uma delas. Caso contrário, a guerra garantiria a salvação da tribo mais forte. Nesse caso, a paz representa a destruição e a guerra a conservação. Em outras palavras, a sobrevivência de uns impõe a extinção de outros, assim o ‘‘filósofo’’ Quincas nunca esteve tão atual quanto ao ‘‘vale tudo’’ que move a sociedade, ignorando as leis e os fundamentos de sua responsabilidade ética e moral, sobretudo na relação corrupto-corruptor.
  E para os brasileiros, especialmente para nós londrinenses, qual o significado da batata? Com muito pesar, acompanhamos o desenrolar do ‘‘apodrecimento de batatas’’ tanto na Câmara Municipal como na sociedade. Quem ainda não sentiu o odor de uma batata podre? É insuportável! Talvez um dos piores odores do reino vegetal. A população londrinense não merece ser alimentada com batatas podres. Não podemos nos deixar aniquilar pelas batatas podres. Uma vez eleitas pareciam sadias. Pouco a pouco foram se deixando apodrecer, contaminando umas as outras... Quanta decepção! É preciso descartá-las, antes que todas apodreçam. O vereador Bonilha já foi ‘‘caçado’’ pela polícia, agora, esperamos ansiosamente que seja ‘‘cassado’’ pelos seus pares. Será a vitória da população contra as ‘‘batatas podres’’. E como diria o Quincas ‘‘ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas’’... verdadeiras e íntegras, naturalmente.
HELENA DE BARROS MENDES é professora do departamento de Biologia Geral da Universidade Estadual de Londrina


A corrupção nossa de cada dia
Telma Gimenez
  Conversas recentes com colegas de outros países sobre o tema da corrupção sugerem que esta tem permeado não só a vida política de muitos governos, mas também se constitui em prática rotineira, parte do ‘‘modus operandi’’ de sociedades tribais ou industrializadas. Paradoxalmente, algo que parece estar tão entranhado no cotidiano também se revela revoltante, especialmente quando cometida por representantes legitimamente eleitos. Até o presidente Lula reconhece que ela está em todo lugar. Londrina assiste agora mais um episódio envolvendo a Câmara de Vereadores. Surge o movimento ‘‘Cana Neles’’, criando espaços para manifestação de indignação. Logo esta notícia será superada por outra semelhante, em nível local, estadual ou nacional, e continuaremos tocando nossas vidas, reclamando aqui e ali contra esses desmandos até que seus efeitos sejam naturalizados.
  Dos muitos custos sociais da corrupção talvez um dos mais graves seja exatamente a expansão da barreira do que se considera aceitável, quando ela passa a fazer parte da cultura. O empresário russo, por exemplo, não vê outra solução para realização de seus negócios; o político jamaicano considera que esta é a forma como todos seus antecessores agiram e não há por que fazer diferente; o motorista nigeriano considera natural pagar menos para evitar a multa. O brasileiro a vê como parte do ‘‘jeitinho’’. Fóruns deliberativos realizados no ano passado em Londrina revelaram que a maioria dos participantes acredita que a corrupção não pode ser eliminada, apenas minimizada e que o aparato legal não é suficiente para contê-la, porque as leis também servem para proteger os corruptos. Da mesma forma, sentem-se impotentes para alterar o quadro em nível mais amplo, acreditando ser possível alcançar algum resultado apenas localmente. No entanto, são poucos os dispostos a encontrar energia para minimizar as práticas corruptas, seja pelo exemplo seja pelo exercício do controle social. Se desde a vinda da família Real já era comum se ouvir ‘‘quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão, quem mais furta e mais esconde passa de barão a visconde’’, é preciso um enorme esforço coletivo para encontrar novos caminhos para tornar nossa sociedade menos conivente com a corrupção.
TELMA GIMENEZ é professora universitária em Londrina e coordenadora do grupo de pesquisa ‘‘Educação e Democracia’’

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