ESPAÇO ABERTO 28/6 - Sobre o aborto
Compete às igrejas, não só defenderem as suas convicções, mas apoiar e acompanhar as mulheres ou meninas que enfrentarem esse dilema
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 28 de junho de 2022
Compete às igrejas, não só defenderem as suas convicções, mas apoiar e acompanhar as mulheres ou meninas que enfrentarem esse dilema
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos
É um dos assuntos mais espinhosos e delicados. A cada vez que o Brasil é confrontado com situações dilacerantes, como a da criança que engravidou vítima de estupro em Santa Catarina, a sociedade entra em grande efervescência, o que não deixa de ser legítimo, defendendo os seus pontos de vista. A ciência não é ignorada mesmo quando as convicções são morais e religiosas. Se por exemplo, um religioso acredita que existe uma vida desde o ato da concepção, porque a biologia lhe garante que quando o zigoto forma a sua própria identidade genética, a partir da herança recebida dos pais, o seu material genético está em condições de começar o seu desenvolvimento, não lhe interessará muito especificar que “tipo de vida” nos primeiros momentos ou semanas, uma vez que, para ele, trata-se de uma “vida humana”!
A razão mais elementar deste juízo, está na convicção plena de que a vida é um bem, um valor, que o ultrapassa existencialmente e que embora obedeça a processos considerados conaturais a outros seres, vai além ontologicamente, remetendo a sua origem ao transcendente. Por conseguinte, para os crentes em geral, a vida humana é inegociável do início ao fim, porque em última análise, ela não pertence ao ser humano!
Mas tem mais! As convicções conceituais dos crentes, se fundem antropologicamente com uma outra crença fundamental: “A nova célula, possui uma identidade genética própria, diferente da que pertence aos que lhe transmitiram a vida, e a capacidade de regular o seu próprio desenvolvimento, o qual, se não for interrompido, passará por cada um dos estágios evolutivos do ser vivo, até a sua morte natural” (Patrícia Navas González).
Ora, a vida pós-fecundação não é um apêndice de outro ser, incluindo aqui a sua mãe! Sendo assim, embora indefesa, essa vida reclama atenção, cuidados e preservação. É esta a grosso modo, a posição da Igreja Católica, alimentada pela Bíblia e pelo magistério. Todos os papas se manifestaram contra o aborto em qualquer circunstância, pois a dimensão do sacrifício da vida da própria mãe, levada às raias do martírio, não é uma linguagem estranha a esta instituição! A disponibilidade da vida em favor de terceiros encontra o seu fundamento no próprio Cristo.
Posto isto, vamos aos fatos e às implicações.
No país, um milhão de abortos induzidos ocorrem todos os anos e levam 250 mil mulheres à hospitalização. Isto, apesar da proibição do aborto. Portanto, não creio que a questão no Brasil se resuma a ser a favor ou contra! Sobre criminalizá-lo ou descriminalizá-lo! O que está em discussão é se esses abortos serão legais ou clandestinos, seguros ou com risco e o quanto os brasileiros em suas convicções profundas, influenciarão o seu Código Penal para a matéria!
Se me perguntarem por que numa nação majoritariamente cristã (católica e evangélica), leis como a descriminalização do aborto possam passar, não saberei responder! Mas é óbvio, que essa lei se submeterá a outros valores, que a atual sociedade já tornou “absolutos”! O direito da mulher de dispor do seu corpo! O dever do Estado em cuidar da saúde total dos cidadãos!
Contudo, o dilema permanece, pois, a questão moral subjaz e antecede a legal. Pode o direito de um, eliminar o direito de outrem? E se esse outro for visível apenas ao microscópio, será simplesmente vencido na decisão? Uma sociedade legalizando o aborto torna-se mais “civilizada”?
Minha opinião pessoal, talvez, não corroborada pelas autoridades eclesiásticas, é a seguinte: o Estado é laico e esse fato não é um pormenor! Portanto, seguindo a Constituição, os seus legisladores devem apresentar leis que beneficiem e protejam os seus cidadãos, incluindo o atendimento digno à saúde. O Estado não deve e não pode decidir pela pessoa! Porém, ao Estado lhe compete não apenas, proteger homens e mulheres a quem chama de cidadãos, mas atribui-se também a ele mesmo, a defesa da vida enquanto tal. Por isso, as atuais leis brasileiras em relação ao tema, não me parecem fora do tom, do que se espera do Estado quanto a um assunto tão complexo como a interrupção da gravidez.
Compete às igrejas, não só defenderem as suas convicções, mas apoiar e acompanhar as mulheres ou meninas que enfrentarem esse dilema. É um direito seu e um dever!
Manuel Joaquim R. dos Santos é padre na Arquidiocese de Londrina
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