A consciência histórica é a consciência da mudança, da transformação que se materializa no progresso e às vezes no retrocesso. A ideia de que tudo muda com o tempo e que portanto possui história desenvolveu-se a partir do Renascimento e consolidou-se com a Revolução Científica do século XVII. Percebemos as transformações por meio da observação dos ambientes, dos documentos e outras fontes. Os últimos cem anos foram excepcionais no registro sonoro, visual e escrito da história do Brasil e em especial a do Norte do Estado do Paraná.

Historicamente, 2024 é um ano marcante: há exatos cem anos, neste mesmo mês de julho, a cidade de São Paulo ardeu sob o fogo da artilharia e sob o bombardeio aéreo do Exército Brasileiro que enfrentava os "tenentes rebeldes" em uma sua primeira ousadia: a Revolução de 1924, um motim estritamente militar ocorrido no Exército e na Força Pública de São Paulo. Foi a primeira cidade brasileira, talvez do continente, a sofrer ataques aéreos sistemáticos. Os amotinados paulistas, que entre outras pautas pediam o fim das oligarquias, se deslocaram para o Oeste do Paraná, juntaram-se a outros vindos do Rio Grande do Sul e formaram a "Coluna Prestes - Miguel Costa" que cruzou o Brasil por anos. Mas essa é outra história que em breve trataremos.

Outra reclamação dos rebeldes era a missão inglesa chefiada pelo Lord Montagu, que havia no primeiro semestre daquele ano, analisado as finanças públicas e as condições de investimentos no País. O relatório da missão publicado em junho de 1924 foi considerado ofensivo à soberania nacional pelos militares que se amotinavam.

Dela fez parte Lord Lovat, personagem marcante da presença britânica no Norte Novo do Paraná, que buscava produzir algodão no Brasil. Lovat esteve na Fazenda Água do Bugre, de Antonio Barbosa Ferraz Júnior, em Cambará, e há cem anos, sobre uma mesa de bilhar ou de carteado, no salão de jogos, examinou um mapa com as terras além do Rio Tibagi e as possibilidades da ferrovia que deveria se estender de Ourinhos a Guaíra, no Rio Paraná, atingindo Assunção, no Paraguai.

Os britânicos formaram a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), adquiriram a preço simbólico a Ferrovia São Paulo - Paraná, em 1928, criaram um dos maiores projetos imobiliários da história do Brasil, dando origem ao Norte do Paraná como o conhecemos hoje, capitaneado por Londrina e Maringá, agora centenário.

A ferrovia, meios de navegação a vapor, estradas de rodagem e núcleos urbanos de diversos tamanho eram exigência legal da União e do Estado do Paraná para autorizar a implantação de projetos de colonização àquele tempo. Não só o cultivo do café motivou a busca pelo Norte Novo, havia um mercado crescente de alimentos básicos decorrente do processo de industrialização e urbanização, verificados no Sudeste, já a partir da década de 1920. A construção da ferrovia foi paga pelo Governo do Estado com a concessão das terras a CTNP.

Investidores brasileiros adquiriam terras nas áreas a frente e adiante das terras da CTNP, como a área de Cornélio Procópio, por Francisco da Cunha Junqueira, em 1924, e a Fazenda Congonhas, por Barbosa Ferraz, no mesmo ano. Lugares centenários como serão as situações históricas que a partir desse ano serão relembradas, ditadas pelo avanço da ferrovia em direção ao Rio Tibagi e sertão do Ivaí. Cambará teve sua estação férrea entregue em 1925, Cornélio Procópio em dezembro de 1930. Em 1935, a Ponte Ferroviária sobre o Rio Tibagi foi entregue ao tráfego.

A ocupação imobiliária do Norte do Paraná, as bases para Londrina e Maringá, a Ferrovia São Paulo até Assunção e Oceano Pacífico (projeto atualmente em discussão). Marcos históricos de um Norte do Paraná, agora centenário.

Roberto Bondarik, docente e pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio. Coordenador adjunto do Laboratório de História da UTFPR

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