Leio, na Folha de São Paulo, que o ministro da educação do Messias disse que a "universidade deveria ser para poucos". Não pensei viver para ouvir qualquer frase que minimizasse a importância da educação – notadamente de um ministro da pasta...

O ministro da Educação, Milton Ribeiro
O ministro da Educação, Milton Ribeiro | Foto: Gustavo Carneiro

Li o que li e tenho tido alguns pensamentos desconexos após o choque de realidade. Essa gente não é daqui. Não é da América do Sul. Não pode ser. Não há, no pensamento defendido pelo ribaldo, viés minimamente aceitável...

Já discuti com a direita, sob a luz dos lampiões (e essa lembrança é do Bom Retiro, em São Paulo, e me faz o mais feliz dos mortais) e pelos botecos da vida, animado pela cerveja e abraçado em minha fase contestadora, inúmeras pautas de ensino gratuito. Nada que não exaltasse essa bandeira (cláusula pétrea de minha formação gauche) me convencia, ou quiçá iludia...

Ensino é vida. Quem nega a educação, minimizando, dificultando, elidindo seu acesso, comete um crime contra a humanidade. Ao minimizar a importância da universidade o que o ministro busca é uma nação que muge em lugar de um povo que, de cabeça erguida, argumente...

Sempre vi, na educação, o único caminho seguro e sustentável na construção de um país, no desenho de uma história. Conhecimento liberta e ninguém conhece sem ler, sem estudar...

Manja a cultura oriental que você acha o máximo? Então, no Japão, além de belíssimas paisagens e extraordinários sashimis, há uma cultura milenar que exalta, sobre todos os mortais (imperador incluído), a figura do professor. Não se faz reverência, na terra do sol nascente, a ninguém – de padres ao próprio imperador. Lá só se curva ao professor.

Aqui, um ministro da educação sugere minimizar acesso à universidade – que é o apanágio da educação, naquilo que adianta os voos mais altos do conhecimento, da pesquisa, da extensão...

Percebam o paradoxo inaceitável. Isso não é um ministro, é um bufão à serviço de um estado circense onde a distopia movimenta a máquina dos que se deixam tanger...

A universidade, que floresceu na idade média e agigantou-se sob o iluminismo, seria o apanágio de uma sociedade liberta do jugo de tiranos que edificam feito pregadores comerciais de templos nababescos: escravizam pela ignorância...

Os amigos que perdi de 2016 para cá, deles não desapeguei por raiva ou desentendimento de somenos importância; passou que ao ignorarem a história e abraçarem a quinta coluna, exaltando o pensamento único que tutela as maiorias, perseguindo os desfavorecidos, deixei de ver neles alguém com quem pudesse repartir um pão ou um vinho. Passei a ver no antigo parceiro de convívio alguém em quem não confiaria minha sabença, justamente porque não há honra em abandonar minorias, perseguindo diferentes...

A essência da humanidade caminha em sentido diametralmente oposto. Falta leitura para essa gente. Muita leitura...

É essa gente que responde pelos programas educacionais do país? É com esse papo falso (universidade para poucos) que eles tentam se comunicar? Que país é esse?

Você, que em 2018 fez uma opção direcionada pelos que pregam um Deus castigador e cobram pela sua fé um dízimo de dor, perceba onde está o seu burro agora, após ouvir do ministro da educação o que ele disse...

E seu filho, que cresce só, enquanto você passa o dia trabalhando para por comida na mesa? Terá ele a oportunidade de, através do conhecimento, libertar-se dos falsos pregadores que cultuam a ignorância que lhes abastece os templos, se a universidade for para poucos? Acreditas ser um dos poucos?

Que mundo imundo é esse onde um ministro de educação minimiza a importância do ensino? O mundo fake, distópico, dos que querem voto impresso, imunização de rebanho e ajoelham à terraplana?

Perdoa-os Pai, eles jamais souberam o que fizeram e seguem incapazes de enxergar um palmo adiante do nariz. Eu, pequeno que sou, não posso perdoar. Conviver jamais...

Vocês que mataram a esperança tenham a decência de limitarem a ingerência distópica ao jogo de sempre (safado e mitológico), deixando de lado (literalmente) o ensino e a cultura.

Parafraseando Rafael Sabatini, o dom do riso não lhes foi concedido – talvez porque nesse mundo louco lhes seja insuportável admitir que minorias têm direito a um lugar ao sol...

Pais e mães que ouviram de um ministro da educação o disparate acintoso que represa o acesso a universidade, acordem para o futuro de vossos filhos. O amanhã não tarda e lhes cobrará posição.

De minha parte grito: universidade pública, gratuita, cotista e de acesso irrestrito – até para os bem-nascidos que podem aprender que há mais no mundo que o próprio umbigo e a delicadeza da seda pura...

Tristes trópicos onde o ministro da educação sustenta uma universidade para poucos...

João dos Santos Gomes Filho, advogado

A opinião que consta no artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Folha e é de responsabilidade do autor.

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