Londrina não vive, ou tenta [quando tenta] sobreviver, a apenas uma pandemia. São várias, e são simultâneas. É sobre o vírus, mas é também sobre o massivo bombardeamento da desinformação – coisa de mentiras, em termos mais desnudados de boa eloquência para os maus equívocos.

Em 14 de abril desse fatídico ano, alguém que se intitula mestre em cirurgia e membro emérito de um colégio brasileiro de cirurgiões, teve uma nota de opinião – ou como queira nominar – publicada nesse jornal. Sob rebuliços seus, teceu uma crítica descabida, utilizando até mesmo de uma dessa fake news já bem conhecida do público: os resultados observacionais do uso de ivermectina no tratamento à Covid-19 na África. É fake, é falso.

Essa falsa informação foi amplamente divulgada por determinados agentes, em redes sociais diversas e afins, seguindo o viés político da atual kakistocracia dessa república e sua campanha criminosa no exercício da necropolítica. Não: a ivermectina não está associada no impacto dos números de Covid-19 na África. Isso é falso. Comprovadamente falso. Mas a ivermectina está sim associada a outros números. Esses: no Brasil.

Os dados do “tratamento precoce”, esse ao qual recorre o douto doutor cirurgião, incluem números que vão desde pacientes que entraram para a fila do transplante de fígado dado ao uso das drogas contidas no ineficaz, não recomendado, e sem comprovação científica, “kit Covid” – que inclui ivermectina, hidroxicloroquina etc. – até as mortes registradas pela Anvisa que estariam diretamente ligadas ao uso desse kit. Somente as reações adversas ao uso da cloroquina chegaram a disparar 558%.

É necessário ressaltar que, em um comunicado oficial, a fabricante responsável pela produção de ivermectina, a farmacêutica Merck Sharp & Dohme, afirmou – e reafirmou – não existir evidências sobre a eficácia do medicamento no tratamento contra a Covid-19. Vale ressaltar que esse foi um comunicado acima da expectativa da lucratividade evidente na venda desenfreada de seu próprio produto, numa comercialização retroalimenta por mentiras e desinformações.

Outro fato, e dentre tudo o que havia sido apontado como errado no estudo publicado em março de 2020 por Didier Raoult, que deu início a discussão onde indicava a hidroxicloroquina no tratamento para Covid-19, foram os desdobramentos dessa controvérsia que, uma vez oficializada a denúncia [na França] contra tal médico, o fez admitir os erros no artigo, no método aplicado, nas falsidades contidas nos dados da pesquisa, e a ineficácia do medicamento no tratamento da Covid-19.

Fazendo uma correlação entre aquilo que afirma o douto doutor cirurgião em seu opinativo texto, e contradizendo aqui com fatos e números tudo o que ali fora dito: é a ciência – e essa sim – que trata de seus pacientes, independentemente de gênero, religião, etnia, inclinação político partidária, trabalhando sobre o escrutínio de métodos, análises, números, fatos e fatores; construindo argumentos aquém de vieses políticos, discursos recheados de fake news, embasados em desinformações, sob a autenticidade das correntes de WhatsApp.

Ou ainda, como se dizia nos tempos antanho: do leigo ao douto dotô, da ignorância à meia-pataca.

Pedro Vinicius Rossi, professor e sociólogo, especialista em ensino de sociologia, mestre em Ciências Sociais, de Londrina