Em nosso tempo, final da segunda década e início da terceira do século XXI, vivemos uma crise bastante significativa que leva muitos de seus maiores intelectuais a repensar os destinos da sociedade em curso. Já conhecemos a tensão e o medo causado pela pandemia da COVID-19, e outras tensões e ameaças que nos circundam. Mesmo que circulem, por uma parte da intelectualidade, certo ar de desânimo em relação a possíveis caminhos, há também outros que tentam identificar pelas brechas e de lá perceber as luzes de um amanhã melhor para a humanidade. Se há um estreitamento de horizontes na realidade crua que vivemos, também há um alongamento de possibilidades quando verificamos o potencial humano ainda não utilizado para as novas descobertas e, que estas, não repitam as bases filosóficas, científicas e tecnológicas insustentáveis.

Trata-se de refazermos a civilização. Pretensão gigantesca, porém necessária. Quando os horizontes se fecham não há outra saída para evitar a barbárie. Necessitamos sentar para conversar sobre os rumos dos processos em curso que colocam o capital e o mercado como centro, e esquecem-se da vida humana e natural. Não há principio epistemológico e moral mais brutal que este! A vida, o crescimento humano vale menos que o dinheiro, e o crescimento dos capitais que se acumulam em poucos centros planetários, em poucas mãos, ignorando todo o restante que padece de direitos mínimos.

Há uma necessidade de diálogos e decisões concretas no encontro de equilíbrios entre o progresso, os direitos humanos e a conservação da natureza. Isso para definirmos o traçado de modelos sócio-econômico, cultural, político e ambiental possíveis. Se o caminho democrático é o meio mais viável para concretizar tais eventos, então vamos pensar na democracia. Não desta democracia conveniente ao capital que com o dinheiro comanda a troca de poderes para manter tudo e sempre igual. Ela necessita sair desta miopia enganatória econômica e ter noção e visibilidade social, humana e ambiental. Uma nova narrativa democrática que ultrapasse as convenções em curso, propondo novos formatos. Neste sentido há necessidade de abandono de uma democracia de baixa intensidade, baixa densidade para conquistar uma democracia de alta intensidade, alta densidade participativa, colaborativa, distributiva. Que consiga olhar e contemplar o todo de seu território e de sua população, onde não ajam privilégios, nem regionais nem de segmentos populacionais, mas todos contemplados no rol de uma cidadania emancipatória.

Esta é uma democracia possível, que se faz e se constrói no cotidiano da vida social, econômica, cultural. Onde o exercício da cidadania ocorre em sua forma de expressar e vivenciar no dia a dia concreto. Forjando as mudanças necessárias para encontrar denominadores que mais representem uma vida em sociedade com os direitos e deveres, além do voto que garante a representação, buscar realização através da participação, do entendimento de como funciona a sociedade existente e, de como ela pode ser, com a minha e com a nossa participação.

Paulo Bassani é filósofo e sociólogo