Em 17 de janeiro aconteceu a primeira fase do Enem e o tema foi O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira. Parece-me que quem decidiu o tema tinha em mente o livro da excelente Daniela Arbex. Por meio do Holocausto Brasileiro, somos informados que aproximadamente 60 mil seres humanos foram deixados para morrer (ou melhor dizendo, foram assassinados lentamente) no Colônia , o "centro psiquiátrico" que funcionou em Barbacena no século passado e cujas instalações eram asquerosas o suficiente a ponto de se mostrarem indignas mesmo para ratos de esgoto.

Ao se debruçar sobre as problemáticas envolvendo a loucura, o filósofo Foucault chegou à conclusão de que os hospícios serviam principalmente para apaziguar os corações daqueles que estavam do lado de fora, mas o Colônia nos mostrou que esse tipo de instituição também serviu como depósito de rejeitados. Lá se encontravam não somente os portadores de deficiências mentais, mas também prostitutas, epiléticos, alcoólatras, filhos e filhas deserdados, desafetos políticos, enfim, todos aqueles que não se encaixavam em grupos que eram tidos como normais.

Uma vez lá, eram submetidos ao frio, a fome, a sujeira, aos diferentes tipos de violências e, dentre eles, o esquecimento. A propósito, não eram de todo esquecidos, afinal, quando as almas lhe abandonavam os corpos, suas carnes eram disputadas por centros de estudos médicos.

O Colônia foi fundado em 1903 e teve suas atividades encerradas somente na década de 1980. É relativamente curto o período que nos separa do “fim” daquele campo de concentração, portanto é válido refletir sobre as heranças que certamente foram deixadas por ele. Açougues que estripam o humanismo só existem em espaços onde as pessoas lhe são mais ou menos cúmplices. Devemos refletir sobre nossos preconceitos, pois todos os temos e, uma vez que estamos todos condenados a solidariedade (caso não estivéssemos, já teríamos nos matado uns aos outros), faz-se necessário reconhecer tanto a pluralidade quanto a diversidade humana.

Paulo Sérgio Micali Junior e Taiane Vanessa da Silva Micali, historiadores e professores em Londrina