Viajei segunda-feira (19) cedinho (5h25) em companhia do prefeito (ele para Brasília eu para São Paulo). Coincidentemente fomos no mesmo voo para Campinas (Viracopos, o aeroporto de nome mais bonito do país) e tivemos ocasião de trocar uma ou outra palavra.

Marcelo não precisa pensar feito eu para ter meu respeito e carinho – como de resto respeito é devido e carinho nasce da necessidade de empatia que nos governa. Todavia, sempre gostei dele, desde à época em que ele era vereador e eu estava procurador jurídico da Câmara Municipal de Londrina.

Podia o Marcelo (para o meu gosto) fomentar mais políticas sociais – mas essa é prosa para outro dia e não pretendo tecer qualquer crítica ao alcaide, suposto que nosso avistamento rendeu-me uma alegria que quero repartir com os muitos leitores desta Folha...

O próprio prefeito me contou ter encaminhado (ou estar encaminhando, esqueci, suposto que o sono me cobrava a toda hora naquela hora) à Câmara Municipal de Londrina a criação de um Conselho à disposição da comunidade LGBT...

Fiquei imensamente feliz. Grande sacada do prefeito dar visibilidade, voz, acalanto, proteção e dignidade a essa minoria. Quem sabe vira hábito e a gente faz da tutela das minorias todas um país?

Não posso deixar de lembrar que ainda ontem o pai dos tolos asseverou que governaria para as maiorias, enquanto uma horda lhe ovacionava – que país é esse? Onde estavam as virtudes solidariedade e empatia nessa hora?

A solidariedade não mora mais entre nós e a empatia está redesenhada pela condição nova com que lhe redefiniram os mitos contemporâneos: ‘mimimi’.

Quiçá empatia e solidariedade estivessem presentes em igrejas e templos – mas penso que elas deram lugar ao conceito infeliz que vem negando a ciência e açoitando nossa natureza humana com uma noite escura que acreditávamos vencida pela razão...

Sigo, todavia, acreditando na volta delas para, quem sabe voltando (e se forem de samba) haverão de querer ficar, enquanto ‘seu Padre toca o sino que é para todo mundo saber que a noite é criança e que o samba é menino’...

O mundo, como disse Galeano, está de patas arriba – e "as rosas choram o perfume que já não roubam de ti" - enquanto o homem vazio dormiu na brisa mansa da primavera para acordar em pleno rigor feroz do mais severo dos invernos...

Sei que alguns vão desgostar – há no mundo, neste instante, tanta ausência de empatia e acúmulo de imbecilidade que a grita se anuncia inevitável e sua natureza fundamentalista já pronuncia o fedor dos covardes que apontam o dedo para as comunidades que não se lhes pareçam suficientemente abençoadas pelo Criador...

Noves fora a liturgia (res)significada desse instante marcado por ausência e egoísmo, observo que a luta pelos descamisados segue alimentando a dificuldade de se conter as muitas festas clandestinas que a cidade mal dormida alberga...

Essa não atitude de quem teima em seguir desafiando a pandemia informa um neocolonialismo parido pela mão nefasta do negacionismo, alimentando o elevadíssimo número de casos e de morte pela ação viral da Covid-19...

O descaso para com a vida (própria e alheia) não fala a mesma língua que a evolução da civilização. Assim, para cada playboy que desafia a sorte (própria e alheia), entristecendo o dia e demarcando a ignorância do gesto de apego exclusivo nas próprias necessidades, há um cidadão vitimado pela pandemia.

Leio que a proliferação do vírus em nosso organismo custa ou custará uma redução de dois anos na expectativa de vida do homem e da mulher do Brasil do século XXI. Neste contexto, todo negacionista de terraplana, com sua imbecilidade, está a impor a redução da expectativa de vida dos acometidos pelo vírus.

Passou da hora dessa gente que gosta de andar armada e apegada à botina tentar ler um livro – talvez aprendam o uso elegante do tênis e emendem uma carreira pelos campos, tomando o cuidado de desviar da bosta do boi – ou não, vai saber...

Encareço que a aproximação (ao livro) seja lúdica o suficiente para não se dizer que a obra faz lembrar Wanderléia, a égua baia de minha infância, cujos traços característicos um primo abestado disse parecidos com uma linda jovem que ele tentava (ao que consta) cortejar na pequena São João das Duas Pontes...

Wanderléia é história (que as éguas não vivem senão de vinte e cinco a trinta anos), já meu primo segue sendo a botina que fala, a (des)razão que não argumenta – late, atira, agride e nega – apesar de médico...

Um livro muda uma vida. Muda mais se a obra for do bardo de todos os bardos e mais ainda se o criador do cavaleiro da triste figura passar por sua cabeceira.

Todavia, para você que me seguiu até aqui, digo o que aprendi quando ainda acreditava em papai Noel: a fantasia nasce de um coração de tinta...

Assim é que sigo aguardando o desenho metafórico dos grandes clássicos da literatura aterrissar no descampado civilizatório que o modelo fascista está a tanger, pela postulação dos que cederam à fantasia imbecilizante dos seguidores de mitos...

Tristes trópicos – hoje com dois anos a menos de expectativa de vida...

João dos Santos Gomes Filho, Advogado