Embora os quatro Evangelhos sejam peremptórios sobre os reais motivos da morte de Jesus Cristo e não escondam que, apesar de “ser necessário que morresse”, ele foi condenado por ódio e medo, muitos cristãos ainda preferem ignorar, que Ele morreu perseguido por um establishment constituído, contra o qual tinha decretado a sua oposição. Jesus era oposição porque era livre! Não havia nele nenhuma possibilidade de comprometimento com o erro, com a mentira ou com a opressão dos mais fracos. As suas palavras duras e provocantes a quem detinha o poder, nomeadamente o religioso, revelavam um outsider genuíno, em nada confundível com os mestres a quem se opunha. “As multidões estavam atônitas com o seu ensino. Porque Ele as ensinava como quem tem autoridade, e não como os mestres da lei” (Mt 7). Jesus de Nazaré, inspirador da religião que chamamos de Cristianismo, foi um homem que viveu e morreu na oposição e no confronto. Outras tintas mais aguadas e intimistas com o que o desejemos pintar, não correspondem ao que dele conhecemos.

A religião que acompanha a humanidade ao longo da história deve se inspirar nesse Homem. Livre para questionar, provocar mudanças, criticar erros e jamais pactuar com o pecado, embora complacente com o pecador. Infelizmente, a própria história nos dá algumas lições. Os Ortodoxos da Rússia pagaram um preço altíssimo com a queda do Império Czarista, pela sua ligação umbilical ao antigo regime. Décadas mais tarde, demonstram não ter aprendido, ao se aproximarem demasiado de Vladimir Putin! Em nome da recuperação do patrimônio e da “liberdade”!

Os Islâmicos da Turquia que se sentiam incomodados com o Estado laico fundado em 1923 por Mustafa Kemal Ataturk, separando a religião do Estado, estão agora amordaçados e aprisionados a um presidente nacionalista que usa a religião para levar a cabo seus arroubos populistas. Pentecostais no Brasil e noutros países latino americanos vislumbram no poder estatal o trilho lubrificado por onde podem passar as suas ideias, em nome da “evangelização de sucesso”! Colados a qualquer autoridade de plantão, sonham com a implantação de uma moral nacional de costumes. Alguns padres católicos se somam a esse naipe, por mera desconfiança de uma Igreja mais profética e intervencionista no passado. Ora, a eclesiologia do Vaticano II (1962-1965) superou o papel que no passado tinha justificado as chamadas democracias cristãs. Era preciso evitar o uso do nome de Cristo, direta ou indiretamente, para cobertura de práticas econômicas, sociais, culturais ou políticas, em contradição com a sua mensagem e a sua intervenção histórica, testemunhada no Novo Testamento. E. Schillleebeeckx (1914-2009) conta o que observou, nos EUA, em poucos anos de distância, em que a política era tudo, para se tornar quase nada, e as religiões sem Deus passaram a ser quase tudo!

Religião é intervenção; é pôr em xeque tudo que atenta contra a dignidade do ser humano. “Pode haver uma cura ao Sábado”?! Pode! O Sábado foi feito para o homem e não o contrário! O compromisso, ainda que subtil, com ideologias ou estruturas do mundo, poderá mundanizar a própria experiência religiosa, como nos lembra o Papa Francisco. O distanciamento do poder não é legitimação da experiência mística intimista, no pior sentido do termo. Bem pelo contrário! É condição fundamental para o exercício da melhor prerrogativa da religião: o questionamento constante de tudo que é incompatível com o que ela acredita, tendo o ser humano como referência maior! Os budistas do Tibete não irão sucumbir à China comunista! Os cristãos não devem sucumbir às sereias momentâneas do poder! Sejam capitalistas ou comunistas, “cristãs” ou laicas!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina