A Folha de São Paulo publicou (em 16/01) artigo de opinião de Antônio Risério, onde o antropólogo baiano sugere, explicitamente, um racismo reverso atrelado ao que ele identifica em combate excessivo à pauta identitária. Um antropólogo baiano sustentar um viés desta natureza mais machuca que intriga...

O artigo em si é ruim de doer e sua orientação nasce deformada na visão de seu articulista que, ao sugerir supostos excessos na pauta de combate ao pensamento identitário, nega ao escravizado secular o direito de se levantar contra a opressão. Demais disso, vou morrer sem entender o que leva um antropólogo baiano relativizar o racismo...

Não respeito racista. Como não respeito homofóbico, machista, misógino, xenófobo e outras tantas anomalias genéticas mais. Que isso fique muito claro antes de iniciar minha fala...

O identitarianismo (ou movimento identitário) tem nascente na extrema direita (que não respeito tanto quanto) europeia do pós-guerra (a segunda grande guerra) e sua proposta, além de estúpida e irracional, convola a afirmação de um direto natural dos europeus (e povos originados pelos ungidos do velho mundo) a uma cultura e territórios exclusivo dos brancos bem-nascidos...

Infelizmente essa miséria nasceu em França (não chores por mim Rive Gauche) e está adubada no conceito absurdo e fétido de uma supremacia qualquer da etnia branca (caucasiana) sobre as demais...

O pensamento identitário não só tem que ser combatido como, também, vencido, defenestrado e, por fim, convolado em uma qualquer indenização as suas vítimas, suposto que a só crença na possibilidade comparativa entre raças ou etnias, notadamente em situação de escala de superioridade, já está equivocado, quer pela resposta fenotípica em si (que caracterizaria as raças) como pela proporção cultural que o tema reclama (e que delinearia as etnias).

Dito isso, lembremos o que a história registra: foram os brancos europeus (bem-nascidos) que se aventuraram além-mar e se puseram a escravizar outras culturas, produzindo mão de obra para seus interesses econômicos.

Não fosse a escravização do homem negro e seu transporte (à moda gado) aos confins do interesse econômico do branco europeu, muito provavelmente os negros permaneceriam em mãe África enquanto reis, príncipes e súditos de suas identidades tribais.

Quem usou (e segue a usar) o homem negro foi/é o homem branco. Essa premissa encerra o silogismo em si e sepulta a fala infeliz do antropólogo Antônio Risério que, à par seu conhecimento, no ponto foi traído pelo conformismo dos que se confortam com situações prontas, sem mais curiosidade para uma viagem à raiz do tema...

Dito isso, insisto: não existe racismo reverso, justamente porque o racismo se caracteriza, tanto quanto, na exacerbação de uso do poder econômico de uma raça sobre outra, em ordem a mitigar qualquer ilusão adrede aos anseios e projeções de vida da parte economicamente mais frágil da equação.

Para você, oh bem-nascido branco, basta olhar ao redor de sua gleba e observar a exegese das relações então estabelecidas. A produção física está a encargo de quem? As relações afetivas são, em sua esmagadora maioria, de que cor? Quando há uma grita qualquer, qual a cor mais comum do suspeito?

Vamos parar com a hipocrisia dos ignorantes que, não sabendo/conhecendo história, dela falam e sobre ela discorrem, como se isso moldasse e modificasse os fatos a seu bel prazer.

Há, sim, uma dívida impagável do branco para com o negro e esta situação demanda séculos de exploração étnico-racial, suposto que a valoração sugerida na expressão racismo reverso, além da perversão que espraia, remete o tema para a sua origem explorativa, conquanto sugere uma possibilidade de convívio continuado na bovinização da pessoa humana.

Insisto: racismo de preto contra branco só seria possível se mãe África, ainda no medievo, invadisse os castelos feudais em Europa e escravizasse o homem branco para sustentar seus projetos de dominação econômica.

Sem tal possibilidade, racismo reverso não é senão um eufemismo para passar pano na exploração contínua e continuada do negro.

Tristes e escravocratas trópicos – na conta do branco europeu...

João dos Santos Gomes Filho, advogado

A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da FOLHA.

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