Leio, nalgum sítio da rede mundial, que dois seguranças de um supermercado da rede francesa Carrefour (encruzilhada), localizado no Rio Grande do Sul (Porto Alegre), mataram um negro (no estacionamento da unidade), após baterem e dominarem (mata leão) o sujeito...

Mundo, mundo; vasto mundo. Se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução – seguimos correndo atrás de nosso rabo, feito cachorros em um cio que tarda, mas não falta, ao tempo em que o negro, no Brasil, segue sendo, na ordem do dia, ora bucha de canhão, ora alvo de bala que não se perde – posto que quem morre de bala perdida é branco; negro morre de bala encontrada, tamanha a violência do etiquetamento social que se construiu ao longo de séculos e séculos de exploração racial...

Somos vergonhosamente racistas.

Para piorar – suposto que não há nada tão ruim que não possa ser ainda pior – vem o vice-presidente e diz que não há racismo no Brasil...

Olha, há tanto racismo por aqui que todos os dias os jornais (dos nobres aos de aluguel) estampam matérias que dão conta de ofensas (macaco seria a favorita da turba) pontuais e de mortes em profusão de negros.

Pensem depressa: qual o negro que você mais admira? Martin Luther King? Jesse Owens? Mandela? Billie Holiday? Lewis Hamilton? Madona?

Mas a Madona não é negra...

Se a questão acerca da cor da Madona antecedeu a sua identificação do grande negro de nossa era, sinto informar que o amigo tem no mínimo pouca empatia – para parar por aqui a fala...

A estupidez parece ter apoitado no Brasil de alguns anos para cá e está lecionando universalidades imbecilizantes que fomentam apostilação terraplanista e impõe pós verdades negacionistas.

Estar negro no Brasil da segunda década do século XXI não é fácil – muito ao contrário; ser negro significa ser meu irmão mais (mais forte, bonito, explorado, injustiçado, escravizado, roubado, sacaneado, usado, desconsiderado, humilhado...).

Isso não muda, todavia, meu conforto esquizofrênico. Tampouco meus ‘white people problems’.

Todavia, não há mais volta. Brancos não empáticos e engajados, que não enxergam a vitimização que nós outros plantamos à fórceps no negro, jamais sairão de sua zona de conforto.

Há que se arrancar o respeito à fórceps, tanto quanto, suposto que a dor que desatina sem doer vem do útero e do colo da mãe negra e pobre que vê seu rebento ser a mula de um mundo gris...

Miséria; seu nome é atropelo de marcos civilizatórios e seu apelido racismo...

Somos sim racistas. Alguns de nós são supremacistas (e estes são os mais perigosos e imbecis); outros não estão nem aí para a cor da chita (e este racismo velado se arraiga ao tecido social e estrutura as próprias conjunturas, no entorno da não civilização que olha de cima para baixo o negro, como que lhe lembrando os séculos de exploração e a necessidade de se manter este ‘status quo’); por fim, há quem se incomode bastante, mas que dilua este incômodo no que seriam nossos ‘white people problems’.

Nossas instituições são racistas – jura que você não sabia? Vejam as réguas que usam, falei disso aqui ainda ontem... Vejam os filtros que não se habilitam. As normativas que se rabiscam...

Nosso modelo de convívio é racista – qual o papel de destaque do negro em novelas latinas?; nossos dias são racistas – qual a cor da aurora e do arrebol?; nossas memórias são racistas – lembram de quantas piadas de branco?; nossa não vergonha a este modelo é o que de pior temos em nós...

Não nos envergonhamos de imaginar uma supremacia qualquer por conta de nossa cor de pele – que erro (civilizatório e biológico) mais cruel, mais terrível...

Há dor? Ela é do outro. Que chore, pois, à plenos pulmões mãe negra e não se ouça qualquer barulho civilizatório em nossas instituições – porque o filho do branco empoderado foi ‘muito bem-educado’...

Urge nos revoltarmos contra o modelo que criamos apenas e tão somente porque vidas negras importam. E deveriam importar sobre todas as coisas, sobre todas as outras, brancas inclusive, na medida que, no Brasil, de ontem, hoje e de sempre, quem morre é o preto pobre. Não o branco pobre.

A estatística para no negro – o resto é desvio pequeno burguês gritando: e daí?

Deu. Não somos senão poeira cósmica que pó tornará ser. Peço, pois, perdão ao irmão negro, por ter vivido meus problemas brancos à míngua do que via e sigo vendo acontecer.

É preciso coragem para assentir que devemos humanidade, reconhecimento, possibilidade de convívio, ascensão e empatia aos negros – pois que senão seguiremos perdidos no pó da estrada...

Fato é: Nós brancos fazemos muito pouco ou quase nada para que a vitimização do negro seja apenas uma página horrorosa de nossa história caucasiana. Há um convívio hipócrita com o modelo escravocrata que nos condena a todos – caucasoides, mongoloides e negroides (capitão do mato)...

Gente nasceu sim para brilhar e não para explorar o irmão de pele escura. Racistas não passarão – ainda que passado tenham, sistêmica e odiosamente, por sobre a acomodação (branca) nossa de cada dia...

A benção Miss Holiday. Rogai por nós mãe preta!

João dos Santos Gomes Filho, Advogado