salvador, bahia, brazil - september 7, 2014: Brazilian Army soldiers are seen during military parade in celebration of Brazil's independence in the city of Salvador.
salvador, bahia, brazil - september 7, 2014: Brazilian Army soldiers are seen during military parade in celebration of Brazil's independence in the city of Salvador. | Foto: iStock

Em tempos de antecipação do debate eleitoral, do consumo de produtos nada republicanos nas casernas e áudios vazados sobre tortura na década de setenta, chega-nos a informação de que militares veem com apreensão a possibilidade de termos na Presidência de novo um candidato de esquerda. Não entrando no mérito, defendo a tese de que eles, assim como os banqueiros deste país, não têm absolutamente nada a reclamar do ex-presidente.

Sublinhe-se que desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso ao atual governo, o Ministério da Defesa, sob a batuta de um civil, pretendeu dar a impressão de que a estabilidade democrática no país estava consolidada. Contudo, a práxis desde 2002 revela ambiguidades!

Os chefes das Armas disseram o que queriam, incluindo elogiar o Golpe Militar de 1964, sem que ninguém os incomodasse. Nunca Lula se indispôs por causa disso. Waldir Pires chegou a ter que dizer que “era normal haver manifestações desse tipo” no seio do Exército!

Luiz Inácio foi o comandante-em-chefe das Forças Armadas durante oito anos, mas nunca “as incomodou”! Os investimentos nos três ramos das foças e os reajustes nos soldos não foram “migalhas” no governo Lula, como ele mesmo teria dito em 2011, quando Dilma penou para nomear Celso Amorim. Fê-lo na época para se vangloriar de nunca ter cedido aos comandantes militares, mas a realidade foi outra! Com ou sem pressão, Lula modernizou as Forças Armadas e consolidou a paz entre militares e a Presidência da República, ocupada por um torneiro mecânico!

A Ordem do Mérito Militar, concedida a Lula em 2003, não foi um gesto gratuito! Representava o contentamento com a valorização que os militares estavam tendo por parte do seu governo. Foi dito pelo presidente na época: “É preciso que as Forças Armadas estejam bem equipadas e treinadas para que a soberania nacional possa ser garantida”! Ao longo dos anos, as palavras deram lugar a investimentos reais na Força Aérea, na Marinha e no próprio Exército. Nunca na história recente do país os fardados viveram tão felizes! Um preso político na Presidência, assim como o ministro da Defesa, e surpreendentemente dinheiro fluindo para a modernização de equipamentos e quadros!

Os militares não são coerentes e sofrem de miopia ao avaliar os governos anteriores. Pode ser que nunca tenham digerido as Comissões da Verdade e o resgate da história recente. Ou, quem sabe, os jovens oficiais tenham sido formados, acreditando que em 1964 não houve a instalação de um regime ditatorial, responsável por torturas, desaparecimentos e mortes. Mas não têm absolutamente razão de queixa desse período de 2003 a 2016!

A redemocratização do país não trilhou um caminho de “caça às bruxas” ou de demonização das Forças Armadas! Bem pelo contrário. Até há pouco tempo a credibilidade delas junto à população alcançava um percentual de admiração extraordinário. Isso depõe a favor de quem as comandou ao longo destes anos. Ao contrário, o estrago institucional atual deixará marcas por gerações!

Tratar-se-á, então, de uma sensibilidade epidérmica à corrupção, tão denunciada nesses governos? Até poderia, mas a realidade nega-o. É falso o estigma da ausência dessa chaga maléfica no antigo regime e são proeminentes os sinais de que a corrupção também existe atualmente, com cerca de seis mil militares governando! É fake a convicção de que governos totalitários ou monarquias absolutas não foram corruptos! Ou de que não se consumisse picanha nos quartéis! A verdade é outra! Em governos democráticos de Estado de Direito funcionando, existem mecanismos que a combatem!

Lula soube surfar num período em que olhando pelo retrovisor ainda via a sua prisão decretada pela Justiça Militar em 1980. Tratou as Forças Armadas como uma instituição de Estado e estabeleceu com elas um relacionamento de respeito mútuo como deve acontecer na democracia. Portanto, os militares devem estar prontos a prestar continência a qualquer que seja o mandatário eleito pelo povo!

Manuel Joaquim R. dos Santos é padre na Arquidiocese Londrina