O mundo vive de encruzilhadas. Elas são mais determinantes que a linearidade do caminho. Cruzamentos exigem escolhas. Fazê-las é doloroso e impacta diretamente na vida de toda a humanidade.

A Primeira Guerra mundial aparentemente começou por um “fato particular”: o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando. Porém, foi uma escolha. O mundo decidiu abolir a velha ordem e gestar com sangue e dor, um “admirável mundo novo”, que já começava, no entanto, com um saldo macabro. Dez milhões de mortos e vinte milhões de feridos e uma intenção global: jamais outra guerra. Uma “grande guerra”! Nascia a Liga das Nações em Versailles em 1919.

Um pouco antes de completar vinte anos, uma nova escolha. Toleramos o Hitler com suas descabidas loucuras ou o podamos pela raiz? Venceu a inércia de um mundo incrédulo e de países que não entenderam a gravidade do momento. A Segunda Guerra deixou oitenta e cinco milhões de mortos nas trincheiras e campos de concentração. 3% da população mundial!

Os sobreviventes, obviamente, não tinham motivos para grandes comemorações. A Europa foi dividida sob a influência dos vencedores e o mundo sentiu a necessidade de criar uma organização intergovernamental com o objetivo de promover a cooperação internacional, que viria a substituir a velha e caduca Liga das Nações.

De novo o mundo queria impedir um conflito nessas dimensões. Uma escolha. A escolha pela paz e pelo desenvolvimento fez surgir a ONU, em 24 de outubro de 1945, hoje prestes a fazer 75 anos. A guerra fria impôs derrotas a esta organização e pô-la à prova em inúmeras circunstâncias. Mas a humanidade tal qual se configurou na segunda metade do século passado, a ela e suas comissões, lhe deve muito.

Com as suas organizações setoriais, que vão da saúde ao trabalho, às migrações, aos refugiados, às crianças ou a alimentação, continua a ter um papel insubstituível sobretudo para as nações mais pobres e desprotegidas. É muitas vezes o último recursos para combater a miséria extrema, o desespero de quem se vê obrigado a fugir de sua casa e de seu país, de quem não tem alimento, fruto da guerra ou da seca. Os cálculos para a pós-pandemia são alarmantes. A pobreza extrema no mundo passará dos seus 550 milhões para 750 milhões de pessoas.

Contudo, a Assembleia deste ano foi inédita. Uma “não assembleia-geral” como escreve a Economist. A ONU vive o seu maior desafio desde a fundação. O atual presidente do seu maior patrocinador tem horror às instituições internacionais a atua para um progressivo desmantelamento das alianças permanentes. Insiste em que tal como a América, cada país deve tratar de si. Se Trump vencer o próximo pleito, a ONU corre sérios riscos.

O septuagésimo quinto aniversário da ONU foi a revelação de como e para onde caminha o mundo. Diante de uma crise mundial intensificada pelo Covid-19, o que vimos foi um desfile de discursos mentirosos, acusatórios e autoritários recheados de cinismo para com a vida humana e o planeta. A maioria das autoridades perdeu credibilidade.

Mas o Papa Francisco em seu discurso, mostrou mais uma vez o que é ser verdadeiro líder. Sua palavra forte conclamou exatamente às escolhas. O mundo vive delas e este é o momento para fazê-las: "Separar o que é necessário do que não é. Um caminho leva ao projeto de Deus baseado na paz e na justiça, o outro a "automutilação". Escolher o primeiro é oportunidade de conversão, transformação, de repensar nosso modo de vida e nossos sistemas econômicos e sociais, que estão aumentando o fosso entre ricos e pobres, devido a uma distribuição injusta de recursos gerando milhões torturados pela fome”.

E foi extremamente forte quando afirmou: "O progresso tecnológico é necessário desde que sirva para tornar o trabalho humano mais digno e seguro, menos pesado e penoso. Não se pode consolidar a "cultura do descarte", pois se trata de um grande desrespeito pela dignidade humana, uma promoção ideológica com visões reducionistas da pessoa, uma negação da universalidade de seus direitos fundamentais e um desejo de poder e controle absolutos para dominar a sociedade”.

Vida longa à ONU e que se dissipem nas falésias do esquecimento os negacionistas de plantão.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina